Por Glauber Lauria*

Eu a conheci vendendo poesia no porta do Banco do Brasil, não a vi quando entrou, vi quando saiu. Fiz-lhe a já desbotada pergunta, você gosta de poesia?, no que ela respondeu sorrindo, sim. Fiquei meio perdido fitando aqueles olhos de fulgor ouro e mel, tinha a minha altura e cabelos negros como as asas da graúna. Recuperei fôlego, a mente, parte do coração e disse que eram poemas meus e os vendia e tal. Ela, sempre sorrindo, pegou, olhou, abriu e com os lábios em riso, mexas caídas sobre o rosto de índia com dentes alvíssimos começou a ler enquanto se balançava suavemente embalada por uma brisa marinha que só para ela existia. Ouvi um nossa!, ela me olha, ridente, vira a página e continua a ler; leu os seis poemas assim, colocando as mexas atrás da orelha com uma fleuma tropical e paradisíaca. Disse, são muito bons mesmos, vou ficar com eles, abriu a bolsa e, ao retirar a carteira saltou um pequeno volume, nos abaixamos rápido e juntos para o apanhar e batemos forte a cabeça, rimos os dois, nos olhamos de perto, era uma edição de bolso dos poemas de Emily Dickinson. Nosso riso cedeu como se um segredo houvesse dispersado a alegria, ficamos imediatamente sem graça e nos levantamos devagar, já sem fala e riso. Éramos crianças indefesas, diante de um fato desconhecido. Ela me deu o dinheiro, agradeci, mas não nos movemos. Estávamos extremamente perturbados, acredito mesmo que estivéssemos rubros. Ela rompeu o silêncio dizendo, posso te declamar uma poesia, claro!, disse. Ela olhou-me nos olhos e rasgou pausadamente Motivo. Eu chorava em baixo do sol, enternecido diante de uma desconhecida. Olhava para o lado sentindo as lágrimas quando ouvi, posso lhe dar um abraço, murmurei um sim e senti todo o calor que turbilhonava no azul envolver meu seio. Parecia, assim como o azul, que aquilo era o infinito; suavemente separou-se, e quedou-se ali, parecia ter os olhos úmidos; perguntei se poderia retribuir um tão belo presente, se poderia eu também dizer-lhe um poema, aquiesceu e com uma mão em seu ombro, de olhos fitos nos seus, deitei-lhe mau me lembro como um soneto de Camões. Agora ela era quem chorava; eu sorri e disse que tinha direito a um abraço e novamente nos enlaçamos. Rindo os dois, nos olhamos com olhos brilhantes; era aquilo coisa do destino, havia os deuses sempre sem misericórdia uma graça nos concedido? Não sabíamos. E dizemos quase juntos: Vamos tomar uma cerveja? Foi uma tarde divina, e desde então, todos os dias tem sido.

*Glauber Lauria é poeta.

 

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