Passei o réveillon em Petrolina, pela segunda vez nos últimos três anos. Aguardava sair o pagamento do mês de dezembro para seguir viagem sem maiores transtornos. Enquanto esperava fiz alguns passeios pela cidade, distribuí mais ou menos cento e cinquenta cartões publicizando dois de meus livros, por caixas de correio espalhadas pelos bairros por onde transitava. Estive em dois sebos em que deixei exemplares de “Flor do Ingá”, “Duplo Sentido” e “Gênero, Número, Graal” para vender. Pude rever alguns amigos, ir ao cinema, comprar alguns “recuerdos” para ajudar a contar a história de mais essa viagem ao território nordestino.

Passado o período das festas voltei à estrada, agora em direção a Afogados da Ingazeira. Primeiro um ônibus até Serra Talhada – terra de Virgulino, de onde seguiria de lotação até o Pajeú. Por baixo de cada ponte que passava observava atentamente na busca por alguma gota de água, raridade por aqui, pelo menos no leito seco de inúmeros riachos. Em Serra tive alguma dificuldade para chegar ao ponto de partida das lotações. Em algumas horas estaria em Afogados. Fui em busca da pousada que me abrigara no verão passado quando estive por lá. Deixei um livro para Dany Feitosa na rodoviária e segui em frente.

Nada mais triste na chegada a Afogados que ver as pontes que saltam sobre o Pajeú servirem de mirante imaginário para o volume de águas que já correu por ali. A seca produz um contraste com o próprio nome da cidade: Afogados. Nem água ou ingazeira se avista, pelo menos aos meus olhos de turista acidental. Estive na biblioteca pública municipal e no campus do IFPE, a fim de deixar exemplares do “Gênero, Número, Graal”, ao lado dos demais, deixados em janeiro de 2017.

Foi apenas uma breve parada, descanso da viagem desde Petrolina enquanto me preparava para a etapa seguinte: São José do Egito; rumo ao festival do Louro Batista, cento e três anos de vida, se estivesse entre nós. Finalmente estava a caminho de conhecer esse momento único da cantoria e do cordel sertanejo. O Pajeú em festa na cidade que respira poesia, na qual todos são leitores, cantores, ou poetas.

São José é uma cidade em que se nasce poeta. Os muros e paredes da cidade transpiram a poesia. O registro da oralidade invade a materialidade do lugar. Pais, avôs e avós; mães do poema que esquartejam seus sentimentos em décimas, oitava maravilha do sertão. Por trás de cada métrica bem delineada pares de rimas pobres e ricas enriquecendo a autoestima do cidadão. Homens, mulheres e crianças com poemas no colo, grávidas com o colo do útero repleto de poesia. Um poema em cada canto. Cantoria por todo canto. Nas mesas de glosas repousa o momento mágico da celebração. E as mulheres chegando para ocupar um espaço quase que hegemônico dos homens. Garotas do Pajeú mudando essa tradição. Verônica Sobral, Dayane Lopes, Izabela Ferreira, Adriana Sousa, Elenilda Amaral, Erivoneide Amaral, Ana Clara Menezes, Maria Antonia e Dayane Rocha são algumas dessas flores do Pajeú que povoam o jardim metafórico da poesia sertaneja.

É Elenilda Amaral que faz uso da palavra para revelar aquilo que todos já sabem sobre nosso país, sobre o lugar da alteridade na vida das pessoas. Nessas décimas que refletem bem o que ocorre em nosso mundo, sinto-me plenamente representado e faço coro:

Como pode existir tanta maldade

Sobre a face da terra que Deus fez

Onde o pobre que é pobre não tem vez

Quando tenta crescer, cai na metade.

Se resolve pedir por caridade

Sai vexado da cena ouvindo num não…

Vai juntando a riqueza o rico, em vão,

Pois pra Deus vale mais se dividida

Quando o banco de Deus empresta a vida

Não calcula o valor da prestação.

(AMARAL, 2017, p. 64).

Silvério Pessoa, Antonio Nóbrega, Cátia de França, toda a poetada que se fez presente nesta edição dos cento e três anos de Lourival Batista e os cem anos de Zé Catôta abriram espaços a mais em minha vida. Ano que vem tem mais. E eu volto. Quem vai?

De São José fui para Ouricuri, última parada de Pernambuco nesse trajeto. A ideia era visitar o Instituto Federal do Sertão, deixar livro e também tentar readequar a proposta de palestra que faria ano passado, mas que por motivos particulares tive que adiar. Fiz a visita, doei o livro novo e comecei a retomar os contatos para divulgar os projetos. Estive com Asarias em seu programa de rádio, contactei pessoas ligadas ao meio cultural e descansei um pouco. Em março, mês que vem, estarei de volta para o lançamento do novo romance que traz elementos sertanejos em seu corpo.

São Sebastião, padroeiro, e algumas figuras ímpares da cidade passeiam pelas páginas de “Xibio”, livro que fecha a trilogia iniciada em 1998 com “Matrinchã do Teles Pires”, continua com “Flor do Ingá” (2014). Padre Cícero, Frei Damião, Luiz Gonzaga, Lampião e Patativa do Assaré também são lembrados para dar um colorido especial à narrativa. Está nascendo mais um. Em breve pelas mãos da Carlini & Caniato, primeiro em Ouricuri, Crato e Juazeiro do Norte, depois para Cuiabá e Brasília, lançamentos em curso. É esperar para ver!

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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

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