Por Duendes*
Em 2016 foram publicados 46 drops inéditos no Flash Fiction.
Fechando a conta, faremos aquela retrospectiva marota. Nosso mestre, Santiago Santos, resolveu nesse ano de vacas magras bancar apenas um engradado de Brahma litrão com amendoim (apesar dos nossos pequenos estômagos de duendes, bebemos bastante) na festa de encerramento. Registramos sua lista e seus comentários, que começaram lá pela sétima garrafa. Vale lembrar que são escolhas baseadas sobretudo no seu achismo sentimental (e duvidoso), sem o menor apreço pelo retorno dos leitores ou pelo apuro formalístico, pela força do enredo, pela linguagem inovadora, por qualquer técnica em que pudesse respaldar algo. Sabemos há muito que ele é fanfarrão, mas foi o único humano que considerava a CLT na época, e já nos afeiçoamos a ele a essa altura.
Valem as menções honrosas que figuraram nas nossas listas pessoais (somos gente também, gente) com maior frequência: o hit à la Stranger Things “Das desvantagens de fazer sempre o mesmo caminho pra escola“, o retrato distópico de uma avó lutando contra a fome em “Estácio foi buscar ajuda” e a ambiciosa série em 7 capítulos Despiolhado no Comatório, baseada no primeiro álbum do The Mars Volta (que se inicia com o “Percepção extra-sensorial inerciática“), onde Santiago realmente despirocou (nessa época ele ficou tão loko que só saía da cama se Mimi fizesse cookies de chocolate amargo).
Boas festas e boas leituras, nos encontramos depois do recesso.
Até 2017!
TOP 5 DO FLASH FICTION EM 2016
#5 – O último banquete do Mão Santa
“Um bom exemplo de conto que nasce de uma frase: ‘Guerreirão bate no peito e arrota frango com brahma’. Achei tão caminhoneiristicamente poética que fui obrigado a escrever algo que se encaixasse. Morei muitos anos no Araés, ouvindo os pagodes e sambas do João Cavalo ainda que a boas quadras de distância, e sempre gostei de imaginar aquela área, em especial a rua do bar, de casas velhas e rebaixadas do nível da calçada, como o reduto de uma cuiabania que não se deixa renovar, ainda que afunilada por grandes avenidas de todos os lados. Daí pro Guerreiro, que volta pra tomar o lugar de seu pai no núcleo da bandidagem local, foi um pulo. Gosto sobretudo da linguagem do drop e de algumas imagens poéticas como ‘fritas na tampa da goela’ e ‘peitinho na sinfonia do sono esfomeado’.”
#4 – Da fumaça que faz família
“Difícil falar desse conto sem estragar a surpresa pro leitor. Então deixa eu estragar logo. Foi uma daquelas ideias que tive lendo não lembro o quê e anotei no celular, de um conto narrado por personagens diferentes, sucessivos em uma mesma linhagem, que se confundem com os narradores anteriores. A anotação levou anos pra virar um drop focado em quatro filhas cujo tema central é o cigarro, em especial o vício do tataravô da última narradora, avô da primeira, que marca as gerações seguintes. A falta de divisória e a abertura recorrente ‘Minha mãe’ são formas de explicitar essa corrente inquebrável que liga as gerações de uma família, fadadas a reviver tantos erros e acertos, muitas vezes sem a mínima consciência disso.”
#3 – A senhora Nora está indisposta
“Este drop foi resultado de uma proposta do grupo de escritorxs da Oficina da Palavra, que se reúne em Cuiabá pra discutir e produzir literatura. O ponto de partida foi Cortázar, após uma análise inicial da sua obra: um conto de realismo fantástico nos seus moldes. Já me inspirei muito no Cortázar ao longo dos anos, é talvez minha maior influência na produção de contos. A senhora Nora é um tipo de personagem potente, de uma gravidade enorme, e a maneira mais efetiva de contrastar isso com a normalidade do cotidiano da casa foi trazer prum plano inferior esse relacionamento familiar com a faxineira, supostamente a nossa protagonista, que o tempo não conseguiu apagar.”
#2 – Da precisa genialidade de Mesquita Sá
“Descaradamente baseado em Roberto Bolaño. Fiquei apaixonado pelo romance-mosaico 2666 e deixei, como de costume, o que lia transparecer nos drops. Mesquita Sá seria um Benno von Archimboldi brasileiro, um escritor eremita de obra vasta com críticos ferrenhos. Creio que cada uma das 5 partes do livro inspirou ao menos um drop. Este remete à primeira, dos críticos de Archimboldi tentando encontrá-lo no México ao mesmo tempo em que procuram um sentido pras suas vidas. As discussões acadêmicas, os congressos, as dúvidas a respeito das intenções do autor; tudo isso me fascinou e me fascina, sobretudo saber que, como parece ter acontecido com Mesquita Sá, certos acidentes da literatura soam geniais mas não passam disso, na origem: acidentes. O caudaloso primeiro parágrafo é ainda o que mais me encanta na releitura.”
#1 – Da inútil vantagem de dizer adeus
“O que me pega neste drop é o final. Gosto muito dos finais abertos, mas gosto também quando há um fechamento, uma sentença que amarre tudo que veio antes. É o que torna esse encontro breve, o retorno da mãe desaparecida, tão potente. Foi inspirado pela segunda parte do 2666 (Bolaño), quando a esposa de Amalfitano o abandona pra vagar pelo mundo, maltrapilha, dependendo exclusivamente da vontade de estranhos. Nos últimos tempos tenho percebido uma acentuada presença de núcleos familiares nos drops (vide esta retrospectiva), de encontros e desencontros geracionais. Penso que são mesmo os enlaces afetivos mais potentes que criamos, na verdade criados pra nós antes de nascermos, que se tornam, via de regra, inescapáveis. Não é surpresa que derive daí tanta pulsão literária. Mesmo aqueles que vão embora afetam profundamente os que ficam.”
*Dizem que Duendes são seres invisíveis, mas podem ser vistos ao lado de Santiago Santos tomando um litrão de Brahma nos bares de Cuiabá.