Não gosto de prefácios em livros. Não escrevo nos meus, nem para outros. Prefiro crer que o leitor deva formar sua opinião antes de ser conduzido por alguém. Mas leio livros prefaciados; trata-se apenas de uma distinção, a busca de singularidade, apenas isso, nunca um juízo de valor. Fechei o mês de agosto com o lançamento de “Gênero, Número, Graal” e “Xibio” em São Paulo, na Patuscada, Livraria & Bar, por indicação de Aline Bei, onde Santiago Santos, autor de “Algazarra”, é figurinha fácil. Caio Ribeiro também lançou livro por lá.

Patuscada é uma frente que dá visibilidade a autores independentes que buscam lançar suas obras em um ambiente que congrega consumidores interessados em livros, em um bom papo e em encontros que não interessam normalmente à indústria cultural. Com um cardápio de 720 livros lançados em seis anos, Eduardo Lacerda, editor da Patuá, reúne ao redor de sua casa autores e obras que sacodem o universo literário paulistano.

Em 31 de agosto, foi a vez do “Manifesto da Manifesta” de Caio Ribeiro. Seu livro bastante conceitual contou com o brilho de Alice Ruiz e Alzira Espíndola no comando da apresentação, verdadeira benção para o poeta rondonopolitano que adotou Cuiabá como sua morada.

A vinda a São Paulo girou em torno de um curso na FAAP, intitulado “Beleza Repensada”, ministrado por duas jornalistas de moda que atuam na indústria de cosméticos, Maria Clara Póvia e Katiane Romero. Ramo que parece desconhecer a crise, a indústria da beleza avança ignorando as tempestades econômicas e buscando alternativas para trazer ao consumo todas as classes sociais. O curso foi bastante interessante, sobretudo pela didática despojada e com bastante conteúdo acerca de moda, make up, mercado, redes sociais e demais espaços pelos quais o conceito de beleza tem transitado ao longo de todo o século XX e neste XXI.

Como único homem da turma pude observar mais de perto o olhar de profissionais do setor, que atuam com moda e cosméticos, que militam em um território que agrega valor e se expande para todas as classes sociais. Foi uma dose de voyeurismo, janela indiscreta para além do que se vê nas redes sociais, grandes corporações, ou mesmo na 25 de março.

Compras, passeios, comércio. A 25 já não é a mesma. Nem só de preço vive esse mercado. Vale pelo passeio, pelas lembrancinhas, pela visita ao Mercado Municipal. Mas meus passeios preferidos têm sido aqueles que envolvem livros e caminhadas para descobrir detalhes para as narrativas, para construir novos personagens, meio rato no esgoto quando ando de metrô. Saraiva, Cultura, Martins Fontes, Patuscada, Livraria da Vila.

O jantar de despedida foi no “Sujinho”, não o tradicional, aquele da Consolação, esquina com a Maceió, no que era chamado nos anos de 1970 de “boca do luxo”, e sim em uma filial de vinte e poucos anos (o outro tem mais de 50), na esquina da Ipiranga com a Rio Branco, próximo à “boca do lixo”. Ouvia muito falar desse bar por volta de 1981 quando, ao frequentar a casa do velho amigo Cacá de Souza, o Vila, não se cansava de propagandear. Soube dele há algum tempo. Partiu, não está mais entre nós. Lembro sempre de sua figura quando ouço o nome da Escola de Samba “Nenê da Vila Matilde”, bairro em que morava.

Gosto da boca do lixo. De passear na São João, na Ipiranga, de toda a Santa Ifigênia. Visitei, junto a Neide Silva a Lenora Telles Pires, artista plástica, filha da romancista Aldenora Porto, estudada por Marli Walker, de onde trouxe algumas pérolas para nosso grupo de estudo. Indaguei a ela acerca do sobrenome, falei de meu primeiro romance “Matrinchã do Teles Pires”; ela me disse que o militar era primo de seu pai, também militar, antes de virar nome de rio.

Entre a documentação que registra atividades de Aldenora, deparei-me com um contrato para a realização de um filme sobre uma de suas obras, junto ao cineasta José Mojica Marins, vulgo Zé do Caixão. Mojica foi um dos criadores da boca do lixo, onde, se não nasceu, pelo menos viveu a primeira infância o cinema independente no Brasil.

Fotos de Caetano Veloso, Sonia Braga, Luiz Melodia e Chico Buarque

Antes de voltar para casa fomos visitar a exposição do fotógrafo Bob Wolfenson, no Espaço Cultural Porto Seguro, em meio ao que restou da Cracolândia, espaço de degeneração da espécie humana: só vendo!

Não gosto de prefácios, já disse. As orelhas me trazem um apreço especial, não falam, mas dão bons conselhos. Gosto da leveza da folha de rosto. É como uma preparação para o objeto. Parece repetir algumas informações da capa, mas na verdade esconde por trás dessa transparência outra face do livro, do texto; aquela que permanece oculta quando você pensa estar já dento da obra.

 

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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

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