Uma noite pra ninguém botar defeito. Só efeitos luminosos na cabeça, para abrilhantar as celebrações. Cada vez que saio na noite cuiabana me embriago com a música desses artistas que brotam do chão entre a lama e o caos e asperezas do cerrado. Aqui pra aguentar tem que ser casca grossa. Como diz o Wlademir Dias Pino, para suportar o sol cuiabano tem que criar outra pele. A noite brilhou na cantoria do afinado mato. Que menino bonito o senhor Paulo Monarco. Solito com sua guitarra domada feito bicho selvagem. Técnica e porrada, tudo numa dosagem perfeita. Menino dos bons que temos por aqui. Metade Cheio lotado. Cheio de energia boa que emana da meninada. Ô gente bonita que brota desse chão, com as misturas mais loucas. Identidade é o caralho, aqui privilegiamos as diferenças minimas – minimalismo às avessas. Tudo pode conviver nos espaços da cidade. Nada a temer, a gurizada planta um levante. Que noite doida de bonita. As fotografias de Henrique Santian extraindo dos corpos a essência buscada, extenuada, do exercício pleno do corpo em amálgama com o chão, com as folhas, a lama, o campo a imensidão.
Poesia nasce do sol do centro irradiador catalizador receptor desse lugar Cuiabá. Da casca grossa nascem as flores mais sutis e mínimas a espalhar cores em nossos olhares. Psicodelia latina brutal das viagens livres pelos campos cerrados. Alô Thaianna Bruno drops de cerrado 89,5 FM, para bom entendedor basta. Eis os caminhos que se cruzam, se roçam, se tocam em eventos musicais.
Alô lambadão monarquiano cruzando eras de informações. Memória é isso, os tempos não se apagam as marcas estão aí, é só seguir adiante. Alô Caximir, Toninho poeta, “já vi jiripoca piar bem duro, viado também tem aquilo roxo”. Alô Marangoni, o Calixto, figura emblemática que compôs por aqui, lendário, flor do cerrado, flor de cirrose.
Cara, me surpreendeu como a gurizada conhece a música do Paulo Monarco, a maioria ali presente na sala do andar de cima do Metade Cheio, todos cantando com ele, várias músicas já bem conhecidas. Sinal que o artista está fazendo bem o dever de casa. Fazer milagre em casa é coisa para os fortes. Mas ele já saiu da casca há um bom tempo. Vem conquistando plateias por inúmeras cidades. São Paulo, interiores do Brasil, porção Centro-Oeste, Norte amazônico, onde é velho conhecido dos festivais que acontecem muito nessa região, principalmente no Araguaia. Mantém uma tradição já antiga no Brasil de festivais da canção que revelam talentos por aí afora. Monarco sempre foi um papa festivais, é um campeão desse circuito. Recentemente, desde 2011, mergulhou nas ruas da desvairada paulicéia, respirou São Paulo, venceu medos, encarou o vazio da mega metrópole, venceu desconfianças, o talento sempre se impõe, fez parceria com Dandara, tocaram muitos shows, gravaram CD; Monarco compôs em parceria com Zeca Baleiro em um encontro de celebrações; foi elogiadíssimo por Tom Zé; está na lista do pesquisador e músico-compositor Makely K, fera lá de BH, entre as cem super novidades que trazem novo frescor e sopros de luz na cena musical brasileira, ao lado de mais duas mato-grossenses, Estela Ceregatti e Kessidy Kess. E de quebra ele ainda participou de um espetáculo teatral na Alemanha com parceiros de Porto Rico, do México, enfim, caiu no mundo, nas graças da arte.
Não existe limite, os encontros vão se sucedendo e percebemos que o mundo é bem pequeno. Agora está de volta para se embrenhar nos cerrados mato-grossenses e extrair desse chão a poética que alimenta e retroalimenta seu trabalho, aliás, de uma poesia refinada e de muita habilidade com a palavra. Um bardo, cancioneiro das hostes contemporâneas. Aliás, o mundo é pequeno e as conexões virtuais coligam todo mundo ao mesmo tempo e agora. Vai estabelecer pontes com o mundo daqui do centro geodésico da América do Sul.
Seu pai, Tadeu estava lá, proprietário do antigo Cantoria, bar de boa música, famosa por isso, pelo apuro, pelo que ofertava aos seus clientes em nome da qualidade musical, principalmente, música brasileira. Fez história, o bar, no bairro Boa Esperança, cenário de muitos dos movimentos artísticos de Cuiabá desde os anos de 1980, muito também por que é uma paisagem que tem como imediação a UFMT, com seu campus que já foi tão verde. O mito da universidade amazônica, ideia plantada pelo jovem reitor na época, pelos idos de 1970, Gabriel Novis Neves.
Mas a noite foi fantástica, animação cultural é isso. Uma galera de olho no furacão cuiabano está abrindo casas de vivências culturais, como é o Metade Cheio, você pode ir para lá à tarde, tomar um café, escrever um poema, uma crônica ou como disse o André Gorayeb, outra fera contemporânea, das boas novidade nas artes visuais que estão surgindo o tempo todo por aqui. “Ferreira, vim outro dia aqui e passei a tarde inteira desenhando na maior paz”, outros também começam a usufruir do lugar, bom lugar para ler, meditar, escrever, enfim, um espaço para se firmar na nova cena que vem se desenhando aqui, da diversidade de manifestações, de talentos incríveis surgindo para fazer brilhar esse pedaço de lugar!
Uma noite brilhante de rodas e rodas de conversas e animação. Fragmentos de uma cena que vai se constituindo de forma livre e independente. As fronteiras se diluem e a voz do Monarco canta e encanta o mundo a partir desse pedaço de mundo. Evoé!
Monarco tá monstro, pegada incrível.
Eduardito, a energia dessa sua palavra é tempestade, fúria incontida da mente que mira além. E o que dizer da doçura que só os bons e generosos podem distribuir?
A noite ainda reverbera… Monarco esteve esplêndido e você é luz, parceiro.
Celebremos, Thayana, celebremos! Que a vida é curta e tudo passa, tão breve!