Que os céus nos perdoem, mas não te deixaremos em paz, Adir!
Geração como aquela que se formou aqui nos idos de 1980 é difícil de acontecer. Alguma confluência mágica propiciou aqueles tantos encontros na hell Cuiabá. Geração gold, como concordamos capileh charbel e eu ao zap instantâneo.
Impossível não recordar a performance lá pelos idos de 1983 quando invadimos a UFMT com um happening em movimento um cortejo com Adir imprimindo caralhos líricos voadores no asfalto quente que corta a universidade de ponta a ponta enquanto distribuíamos manifestos estéticos políticos poéticos. Da Fernando Correia onde ao avistarmos o busto do Marechal Rondon paramos ali sob a voz de Antonio Sodré, Todas as estátuas são tétricas, tetricamente geladas, caladas e inertes, ocupando lugar nas praças, e ríamos muito, e Adir rodopiou em torno da estátua busto e pichou com seus caralhos moldados em placa de zinco ou papel (sei lá) e imprimia no asfaltoquente a marca da alegria, da rebeldia sem rancores, mas firmes, querendo mudanças, estávamos no fim do governo militar, a coisa ainda era brutal, liberdade mais que vigiada, acompanhada de perto, surrupiada, levavam a turma nos camburões, várias vezes no boa esperança fechavam os bares e levavam os “malucos” pra delegacia, pra logo depois soltar.
Caximir e Adir nessa performance foram uma espécie de abertura artística contemporânea em Cuiabá. Foi um marco e já antecipava o que viria pelos loucos anos 80. Pra começar Adir e Gervane passaram a integrar o mapa do brasil artístico emergente urgente revolucionário a novidade nas artes brasileiras na mostra itinerante Alô, Geração 80! Aquilo tudo nos fortalecia, nos contagiava, opa, estamos na mesma vibe do Brasil, do mundo! Cuiabá sob intensos trabalhos de Aline Figueiredo, Humberto Espíndola, João Sebastião, Dalva de Barros e Clóvis Irigarai, esses são os pilares que basearam a explosão de tantos talentos dessa arte visceral que se produz nas artes visuais em Cuiabá.
Essa performance-movie (salvo engano Bill Severino tem registro audiovisual, ele e o Heitor Queiróz, acho que filmaram em super 8).
Adir é olímpico! Não dá para esgotar nem resumir sua história. Me satisfaço fazendo lambança com pequenas histórias que me assaltam a mente, registros breves.
Desgraçadamente a pandemia tirou o prazer de celebrar nossos mortos. Fazer a festa do velório. Onde se pratica jogos de memória, tristes quase nunca, mas alegres, celebrando aquela vida. Cada um evocando suas lembranças na composição de mosaicos bacaníssimos. Revisitações. Toda morte encerra renascimentos.
Vamos em frente tocando a barca, tocando junto com a barca, entoando a canção que nos coloca no mesmo lugar da santa criação. Adir gostava de santificar as coisas. Quando fomos abrir o coletivo de cultura e comunicação A Fábrika, ele intimou que complementasse com A Santa Casa da Criação. E fizemos. E assim foi feito.
Velório e enterro do Antonio Sodré foi uma festa performática, com música poesia e performances caximirianas (Bruno Bini filmou tudo. Ao chegar no cemitério encontrei Bruno, desolado que só, e com pudores de filmar. Será? Falei na lata: Não perca essa oportunidade, lembre-se de Glauber Rocha filmando velório do Di Cavalcanti!). Do Adir foi uma tristeza só. De um em um a ser autorizado a entrar no lugar. Pandêmico. Solene. Silencioso. A saudar as flores que sempre matizaram suas telas e azulejos maravilhosos.
Não sei se (te) pinto
Não sei se (te) escrevo
Não sei se (te) amo
Não sei se (te) odeio por ter partido assim
Tão súbito – como Antônio, levei um susto!
Só lembro… a amizade dos irmãos Sodré com os Balbino Ferreira
adir antonio andre eduardo
Cruzados, no mesmo ritmo criativo cardíaco visceral como se nada mais importasse na vida, cada qual no seu pedaço e ritmo, mas colados nas mesmas quebradas linhas tortas de Cuiabá.
Na mais louca sintonia.
Estou seco de tanto chorar mais seco que esse ar agressivo que faz as peles estalarem, das folhas, flores e das gentes.
Evoco mais uma vez a voz poética de Sodré “fumaça calor e poeira fumaça calor e poeira Cuiabá não dá para respirar”.
Adir fez o papel que era de Antonio Sodré em Cerimônias do Esquecimento em que brindamos o Ricardo Guilherme Dicke com um documentário que era nossa cara, a canção dos exilados.
Todas as vezes que ia a sua casa com Anna Amélia Marimon você nos presenteava – sempre! Você queria dar tudo, muita informação, muita arte, muita música, revistas, livros, afeto, quanta generosidade!
Você sempre dizia lembrando que Anna Marimon era a musa da gurizada no ateliê livre, Anna era a melhor colorista, visão compartilhada por Gervane e Benedito Nunes.
Gurizada das tintas e pincéis mágicos, gênios imberbes a detonar pedregais e araés, elevar suas artes para o mundo, a arte daqui rompendo preconceitos e barreiras geográficas e estéticas. Dalva de Barros, Aline Figueiredo, Humberto Espíndola, UFMT, Wlademir, Maurília Valderez na filosofia, Marília Beatriz na instituição de cultura da universidade federal, João Sebastião, Clóvis Irigarai, todos elevando a categoria de nossos pares de artistas de todas as cores e matizes, colocando em um grau de excelência rebelde validada – apesar de que não estávamos nem aí para isso.
Matisse Picasso Laurie Anderson Vanguart Nina Hagen Hélio Flanders – todos seus amores, Didi, cravando na vida e na alma a arte santa de todas as flores.
Você era exagerado, seu corpo parecia não te conter…
Xanas caralhos voadores tudo lírico tudo leve
Como o peso das asas dos anjos.
essas histórias continuarão a (re)brotar. como jardins infinitos a fustigar memórias.
Texto pungente e belo. Não há como não se emocionar , Eduardo, diante dessa amizade desmedida e amor escancarado que reune arte e vida. A sua escrita, fala. Dá prá ouvi-la, sussurro e grito. Dá prá ouvir, mesmo o que não foi dito, entre os parágrafos, silêncios grávidos de espanto, diante da morte não anunciada. Obrigada, Eduardo, por nos fazer íntimos de seus sentimentos e ao fazê-lo, permitir que possamos todos juntos comungar na mesma intensidade. Me soa como uma celebração à Adir. Além de qualquer limite…
…de espaço e tempo.
Emocionante! Gratidão 🙏🏼
Conheci os Sodrés no Pedregal e ia com os dois para UFMT
cursar História. Depois de tomar o café da dona Joaquina
E o que foi dito aqui , foi como voltar aos anos 80. Uma década rica em poesia e
juventude louca por liberdade. Adir tinha os pincéis e cores ,e Antônio tinha papel
caneta e sua flauta. Onde ia o Caximir, lá eu ia curtir os meninos bonitos . Curtia
cantar a Sthil Corporation do Antônio e ver as pinturas sodrelianas Uma pena que não
pude estar na despedida dos dois. Mas distância em que vivo são apenas milhas
e a saudade a lembrança é a mesma .
Amei ler o texto de paixão. Obrigada por este momento.
Texto maravilhoso! Homenagem digna da simplicidade e grandeza de Adir Sodré e dos seus.