O gato apareceu assim, do nada. Caiu do telhado numa sexta feira 13, miando de um jeito que dava dó. Clara o recolheu dando-lhe alimento, carinho, amor. O gato ficou por ali, sossegado, esticando as patas ao sol, dormindo no sofá da varanda sem nenhuma cerimônia, um verdadeiro cara de pau. Era magro, comprido, esquisito. Apesar de bem vindo, entrava na casa esgueirando-se pelos cantos, feito boi ladrão. Escondia-se debaixo da estante da sala, no escurinho, de onde podia observar o movimento sem que fosse visto. Tinha o olhar estranho por conta dos olhos redondos arregalados, vítreos, com uma nuance verde amarela, cristalina, e grandes pupilas dilatadas. Parecia um pequeno gárgula. Não se sabe o motivo pelo qual Clara afeiçoou-se ao felino, já que este era um inútil, não tinha sequer beleza ou algo que compensasse sua existência como gato.
Deram-lhe o nome de sexta feira. E o bicho foi ficando por ali, ladino, preguiçoso e comilão. Apesar de comer muito continuava magro, a miar lamentosamente, o que era de se admirar, uma vez que levava vida de príncipe e nada lhe faltava, leite, queijo, ou ração. Até uma caminha forrada com almofada de camurça o gato ganhou. Mas fazia pouco uso dela já que todas as noites o dito cujo sumia no horizonte dos telhados sob a luz da lua e das estrelas. Voltava ao amanhecer, miando alto enquanto descia pelo canto do muro e saltava sobre os hibiscos do jardim. O noivo de Clara logo implicou com o gato-“Clara,“ dizia ele, -“ por favor, livre-se desse bicho, ele é feio, esquisito, e eu detesto gatos!”Clara limitava-se a olhar com desprezo para o noivo e pegando o gato no colo acariciava sua cabeça fazendo-o miar manhosamente.
Até a velha empregada da casa andava cismada com o tal. – “ Menina,” falava ela,”esse bicho é encantado, olha só a cara dele, parece um diabo! E tem mais, anda sumindo roupa do varal, é ele! Rouba a roupa e vira homem! não tem aquela camisa que o ‘seu’ Cláudio deixou aqui a semana passada? pois é, a camisa sumiu. Isso é muito estranho!” ao ouvir esse tipo de disparate Clara retrucou: –“Que coisa mais besta, Maria. Gato encantado. Imagina! ” E o assunto se dava por encerrado. O gato continuava por ali sempre sorrateiro, magro que nem um morto de fome, miando e enchendo a paciência de todos.
Certo dia, Cláudio irritou-se de uma vez por todas e resolveu dar sumiço no bichano. Pegou-o, colocou-o numa caixa de papelão com furos para que o animal não sufocasse e levou-o no carro para os arrabaldes da cidade. Chegando lá, ao abrir a caixa para soltar o infeliz, surpreendeu-se ao constatar que estava vazia. Como podia ser? Ele tinha absoluta certeza de que colocara o maldito lá dentro. Voltou para a casa de Clara. Estava aborrecido, bravo, carrancudo. E ao chegar, o que foi que ele viu? Nada mais, nada menos do que o gato preto, magro, insuportável.
“Clara,” disse o noivo, -“ vamos combinar, ou eu ou esse gato!” A moça riu até não mais poder, e respondeu ;“Amor, deixa de ser ridículo,é só um gatinho inocente!” Não tendo argumentos e não querendo que Clara soubesse que tentara se desfazer do gato, resolveu se calar. Como era uma sexta feira o casal saiu pra balada que prometia atravessar a noite na mais quente casa noturna da cidade. Ao chegarem à boate havia uma fila imensa, Clara queria desistir, mas o ingresso da festa tinha custado uma fortuna. Foi então que apareceu um moço alto, de pele pálida, cabelos negros e olhos verdes, cristalinos. Gentil e educado, chamava-se Felipe. Convidou-os a entrar. Tinha uma mesa reservada e ainda restavam três lugares. A atitude polida e respeitosa do moço não dava margem para ciúmes ou qualquer desconfiança, mas tinha nele algo que deixava Claudio muito incomodado. Por um momento teve a nítida impressão de já ter sido apresentado ao estranho, mas logo descartou a idéia, se o tivesse visto não se esqueceria, já que se tratava de um tipo bastante esquisito.
A Festa foi agradável e combinaram outras noitadas. Clara estava encantada com a nova amizade. Claudio, ressabiado, começou a reclamar: -“chega de dar moral pra esse cara, uma vez ou outra ainda vai, mas esse fulano já está ficando intrometido, não quero mais saber dessas intimidades, e blá, blá, blá.” Acabavam brigando. Clara ia para o quarto agarrada ao gato, chorosa, e ele saia batendo a porta com raiva.
Passaram-se uns dias, e por conta das brigas Cláudio não foi visitar a noiva como de costume. Na noite de sábado a campainha tocou. Ao abrir a porta Maria viu aquele moço alto e magro, estranho, com uma camisa igual a que tinha sumido do varal. A velha senhora arregalou os olhos e fez o sinal da cruz. O rapaz sorriu mostrando uma fileira de dentes alvos, pequenos e pontiagudos, o que a deixou ainda mais assustada. Voltando-lhe as costas, ela retirou-se resmungando entre dentes: “ O moço é o gato, o gato é o cão.”