Por Luiz Renato de Souza Pinto*

Este ano comemorou-se vinte anos de um projeto que revolucionou as artes cênicas em nosso país, depois do falecido “Mambebão” e congêneres. Nesse sentido, o Serviço Social do Comércio (SESC) tem tomado o lugar do estado no que diz respeito às políticas públicas para vários segmentos artísticos em nosso país. Muitas companhias de teatro e dança de Mato Grosso circularam pelo projeto levando nossa bandeira de que, anti-parafraseando (com todo o respeito e louvor) Aline Figueiredo, “Arte aqui não é só mato”.

Conversava esta semana com Thereza Helena sobre um trabalho que, em minha opinião, produzido aqui em nossa terrinha, tem despertado a atenção de todo o Brasil. Por onde passa se faz presente trazendo profundas reflexões. Com uma estrutura enxuta, capaz de arrastar todo um inconsciente coletivo, Raquel Mutzenberg e seu “Maiêutica” tem cativado espectadores de si mesmos de norte a sul, de leste a Oeste e com fôlego para alcançar Europa, França e Bahia (esta, já tendo experimentado).

Espetáculo de ocupação de espaço, com uma única atriz a esculpir seus passos por logradouros públicos, esse acontecimento em torno da relação da atriz, ou da boneca com um parto necessário, e nem por isso menos dolorido, faz do público alvo profundo de uma concretude inabalável em torno da procriação de mitos, de corpos, de uma humanidade insana que se reproduz em tempos de cólera.

Escrevo hoje, no dia de finados, esta crônica de um amor louco; sim, amor pelas questões humanas, desprovido da avidez shakespereana de chocar com o dizível as fronteiras do indizível; amor de filho que perdeu sua mãe há mais de trinta anos e que ainda se depara com certa ausência que o tempo cuida, mas não cicatriza totalmente. Havia dito a Raquel, há algum tempinho atrás que ainda não havia assistido em sua plenitude a seu trabalho, apenas visto pedaços em duas ou três oportunidades aqui em Cuiabá.  Mas a vontade de escrever algo a respeito vinha crescendo.

Sempre que dou aulas sobre o Modernismo brasileiro ocupo-me das certezas que o cânone nos traz, para depois transpor essas barreiras com finitudes conceituais retrabalhadas pelas linguagens artísticas. Não podemos nos esquecer de que o cânone é construído de modo a perpetuar, perenizar autores e obras capazes de continuar exercendo algum tipo de império de dominação, ainda que apenas estética. A maiêutica socrática, talvez tenha servido de espelho para os elaboradores oficiais de conceitos que se pretendem permanentes, a fim de que, mergulhados no pensamento do velho mestre de antanho, pudessem se ocupar da distinção entre a primeira geração modernista, tida como fase heroica, ou da desconstrução, daquele velho cânone que colocava Olavo Bilac e os parnasianos tupiniquins como detentores desse saber estético.

Pintura de Anita Malfatti

A excentricidade de Oswald de Andrade e seus comparsas que preconizavam uma ruptura, ou destruição desse legado, caracterizaria esse protótipo da aproximação da língua á escrita, para, brincando com as palavras recriar mitos, fazer piada do conhecimento canonizado. A segunda fase do Modernismo brasileiro é também conhecida por fase da construção (de uma identidade nacional); como se o chiste, pós-freudiano não fizesse parte dessa grande piada que é a nossa soberania nacional (rsrsrsrs!!!).

O povo não precisa de Freud para se auto-referendar. A arte não precisa da crítica para se fazer entender. E não faço destas palavras um vilipêndio para os (re) produtores de cânones, apenas um apelo para que o leitor, espectador, telespectador, tenha espaço para formar suas opiniões antes de acatar como reais, inflexíveis, as escolhas de qualquer um, seja lá quem for. Cheguei na área com um novo livro. Gênero, Número, Graal é uma brincadeira de poeta bissexto.

Neste livro, publicado pela Carlini & Caniato e contemplado pelo II Prêmio Mato Grosso de Literatura, na categoria Poesia, junto com Entraves, de Divanize Carbonieri, trago poemas dos anos de 1990, 2000 e uma carga atual para oferecer, em forma de cardápio, um acompanhamento subjetivo sobre as pessoas e as coisas. Sem a pretensão de reconstruir de maneira foucaultiana certa “Microfísica do Poder”, ofereço minha poesia aos seres humanos capazes de admitir em si mesmo sua incompletude, o que aprendi lendo Manoel de Barros.

Grotesco, suave e sublime é o trabalho de Maiêutica. A arte é verdadeiramente nossa mãe natureza, nossa barriga de aluguel, cabana e vinha, óvulo fecundado pela possibilidade, pelo vir a ser, para o qual não paramos incansavelmente de servir, antes de mais nada por um pouco mais de tolerância com a arte, pelo amor às coisas simples, pelo respeito de toda e qualquer linguagem artística, pela diversidade de pensamento, antes de qualquer outra. Quem assim seja!!!

*Luiz Renato de Souza Pinto é escritor, poeta, professor, ator performático, 
garçom poético e o que vier mais. Vai um poema aí?
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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

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