Por Luiz Renato de Souza Pinto*
Este ano comemorou-se vinte anos de um projeto que revolucionou as artes cênicas em nosso país, depois do falecido “Mambebão” e congêneres. Nesse sentido, o Serviço Social do Comércio (SESC) tem tomado o lugar do estado no que diz respeito às políticas públicas para vários segmentos artísticos em nosso país. Muitas companhias de teatro e dança de Mato Grosso circularam pelo projeto levando nossa bandeira de que, anti-parafraseando (com todo o respeito e louvor) Aline Figueiredo, “Arte aqui não é só mato”.
Espetáculo de ocupação de espaço, com uma única atriz a esculpir seus passos por logradouros públicos, esse acontecimento em torno da relação da atriz, ou da boneca com um parto necessário, e nem por isso menos dolorido, faz do público alvo profundo de uma concretude inabalável em torno da procriação de mitos, de corpos, de uma humanidade insana que se reproduz em tempos de cólera.
Sempre que dou aulas sobre o Modernismo brasileiro ocupo-me das certezas que o cânone nos traz, para depois transpor essas barreiras com finitudes conceituais retrabalhadas pelas linguagens artísticas. Não podemos nos esquecer de que o cânone é construído de modo a perpetuar, perenizar autores e obras capazes de continuar exercendo algum tipo de império de dominação, ainda que apenas estética. A maiêutica socrática, talvez tenha servido de espelho para os elaboradores oficiais de conceitos que se pretendem permanentes, a fim de que, mergulhados no pensamento do velho mestre de antanho, pudessem se ocupar da distinção entre a primeira geração modernista, tida como fase heroica, ou da desconstrução, daquele velho cânone que colocava Olavo Bilac e os parnasianos tupiniquins como detentores desse saber estético.
A excentricidade de Oswald de Andrade e seus comparsas que preconizavam uma ruptura, ou destruição desse legado, caracterizaria esse protótipo da aproximação da língua á escrita, para, brincando com as palavras recriar mitos, fazer piada do conhecimento canonizado. A segunda fase do Modernismo brasileiro é também conhecida por fase da construção (de uma identidade nacional); como se o chiste, pós-freudiano não fizesse parte dessa grande piada que é a nossa soberania nacional (rsrsrsrs!!!).
O povo não precisa de Freud para se auto-referendar. A arte não precisa da crítica para se fazer entender. E não faço destas palavras um vilipêndio para os (re) produtores de cânones, apenas um apelo para que o leitor, espectador, telespectador, tenha espaço para formar suas opiniões antes de acatar como reais, inflexíveis, as escolhas de qualquer um, seja lá quem for. Cheguei na área com um novo livro. Gênero, Número, Graal é uma brincadeira de poeta bissexto.
Neste livro, publicado pela Carlini & Caniato e contemplado pelo II Prêmio Mato Grosso de Literatura, na categoria Poesia, junto com Entraves, de Divanize Carbonieri, trago poemas dos anos de 1990, 2000 e uma carga atual para oferecer, em forma de cardápio, um acompanhamento subjetivo sobre as pessoas e as coisas. Sem a pretensão de reconstruir de maneira foucaultiana certa “Microfísica do Poder”, ofereço minha poesia aos seres humanos capazes de admitir em si mesmo sua incompletude, o que aprendi lendo Manoel de Barros.
*Luiz Renato de Souza Pinto é escritor, poeta, professor, ator performático, garçom poético e o que vier mais. Vai um poema aí?