Antonio Torres Montenegro*
Há significativo debate entre historiadores sobre a diferença entre história e memória. Enquanto história seria a incessante ressignificação/reescrita do passado histórico, em face da descoberta de novos documentos, das novas abordagens teóricas, das mudanças vivenciadas no presente, a memória seria a tentativa de eternizar um único significado do passado. Assim, datas comemorativas de eventos e personagens, livros didáticos, livros de memória de famílias e empresas seriam práticas e discursos a estabelecer significados únicos sobre o passado histórico. Muito diferente da história, constante crítica e reescrita dos acontecimentos passados.
O recente memorando do ex-diretor da CIA que relata a aprovação pelo general Ernesto Geisel em comum acordo com o general João Figueiredo, entre outros generais, para dar continuidade à política de execução extra legal no Governo Médici remete à problemática da memória e da história.
Para os militares, que se resguardam da história por meio de salvaguardas constitucionais e jurídicas e impedem de maneira autoritária o direito ao acesso aos documentos do período da ditadura – diferente do Chile e Argentina – o documento da CIA deve incomodar bastante. Para os historiadores, para as Comissões da Verdade Nacional e Estaduais, apesar dos múltiplos documentos e entrevistas comprovarem essa prática oficial de execução, este documento da CIA, pelo seu caráter explícito, é a triste confirmação do que se encontra publicado em artigos, livros e relatórios.
No entanto, desejo destacar ainda dois aspectos. Primeiro, a evidência de que o regime militar instituiu a pena de morte no Brasil. Segundo, a biografia do presidente Ernesto Geisel deve sofrer um sério reparo. Afinal, a imprensa e alguns historiadores o classificavam como general de linha moderada. Sobretudo, por haver em 1978 encaminhado o fim do AI 5 e ter demitido antes em janeiro de 1976, o general Ednardo D’Ávila Mello, quando do assassinato do operário Manoel Fiel Filho – meses após o assassinato, no mesmo local, do jornalista Vladimir Herzog – nos porões do DOI-CODI do II Exército em São Paulo.
Ora, o documento da CIA dá a ver que o General Ernesto Geisel foi também um mantenedor da política de execução dos cidadãos que o regime – alguns militares – avaliava como perigoso.
Talvez nesse momento de incertezas, mais do que nunca seja fundamental reafirmar os valores e princípios de uma imprensa e uma internet livres, como pilares do regime democrático.
Antonio Torres Montenegro, Prof. Titular do Departamento de História (UFPE), Publicado no Jornal do Commercio em 15 de maio 2018.