Tarde abafada com uma trilha sonora clássica da década de 30. Os acordes do piano se misturam ao violino e dão o toque final ao retrato retrógrado de duas gerações com uma diferença de 60 anos. O assunto é o amor. A ousadia da juventude e as novidades tecnológicas se mesclam ao que é válido para um sentimento. Quando há 62 anos, ela possuía 20, o mundo era outro.

Surgia entre as guerras e o sentimento de confusão uma nova maneira de pensar e um novo olhar sobre as coisas cotidianas. As mulheres puderam estudar, reivindicar o que lhes sempre foi de direito, a plenitude de viver o que fosse possível, com todas as escolhas e destrezas cabíveis a qualquer ser humano. Mas neste tempo, era necessário que uma jovem se casasse. E os casamentos mais duradouros foram os realizados nesta época. Desquite? Isto era inadmissível para qualquer moça de família.

E os laços e rastros desta época que para nós jovens do século XXI, se mantêm tão longe, estão na verdade em todos os lugares, até em simples conversas que não se situam em tempo e espaço. A sensação que tive era a de teletransporte.

Ouvi a narrativa dos fatos como se estivesse diante de um verdadeiro romance, em que ao chegar ao fim da leitura, você consegue fazer todas as conexões. Consegue enxergar a história do todo e muitas vezes só alcançamos esta razão fundamental quando chegamos ao fim da vida. Mas o que fim da vida quer dizer necessariamente? Não existe idade para viver, enquanto houver vida, haverá desejos, anseios, medos e sonhos.

Ela me perguntou, enquanto tomava o seu chá preto sem açúcar, com torrada e mel, se ainda poderia, no auge dos seus 82 anos, despertar interesse em um homem. Eu respondi que sim, interesse não surge apenas pelo físico, mas por infinitas outras razões, como gostos, inteligência, atitudes.

Mas a mentalidade muda, principalmente em uma linha de 60 anos. E o meu conselho foi para que ela tomasse a atitude, como qualquer mulher no século XXI faria, sem qualquer pretensão ou com todas as pretensões do mundo, mas sabendo que é responsável pelas suas atitudes.

E então um romance ganha vida pelo telefone, por e-mails e pelo método antigo, mas nunca fora de moda, das cartas, que dão toque pessoal a um contato separado pela distância.

Existe um abismo que separa as décadas, as gerações e as pessoas. Mas também existe o palpável, as experiências que ficam, mesmo quando a vida se esvai. E isto é passado adiante, por mais que os olhares em relação ao viver sejam diferentes, todos queremos a mesma coisa, não deixar de sentir. Porque é preciso se arriscar. Enquanto houver vida, é preciso vivê-la. E ela respondeu com o sorriso que há muito tempo deixara de ter, que sim, aquilo era vida.

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Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

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