Por Gibran Lachowski
Jesus Cristo foi sem teto, sem terra e preso político. Apresentou um projeto de vida baseado no amor, na solidariedade e na justiça social. Esteve mais próximo dos pobres, da mulher marginalizada, do deficiente, das crianças… Enfrentou os poderes político, econômico e religioso de sua época. Por isso foi assassinado. E por isso está ressuscitado, aqui, no meio de nós.
Isso é um pouco do pensamento e do sentimento que anima as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), setor progressista da igreja católica no Brasil, que há alguns dias fez seu 14º Intereclesial em Londrina (PR) e já definiu como sede da próxima edição a cidade de Rondonópolis (MT).
A decisão foi anunciada durante o encontro, que reuniu cerca de três mil pessoas de todo o Brasil, além de Argentina, Uruguai, Paraguai, México, Alemanha, França e Itália. Lideranças de comunidades de base, religiosos, militantes de movimentos sociais, professores, pesquisadores, entre outros, compuseram o público.
Grande parte das pessoas ficou hospedada nas casas de 1,8 mil famílias de Londrina e das vizinhas Cambé e Ibiporã, colocando em prática o sentido de ser comunidade. Cerca de mil voluntários ajudaram na preparação do encontro em diversas equipes, como transporte, alimentação, cadastramento, relatoria, limpeza e liturgia. Também houve parcerias com o poder público, para viabilizar espaços físicos, e cooperativas, acampamentos e assentamentos, para garantir alimentos.
“Quando nós olhamos a história da igreja da Diocese de Rondonópolis-Guiratinga, sentimos uma igreja conforme a do Conselho Vaticano II e que sempre primou por uma igreja de comunidade”, comentou o bispo da Diocese de Rondonópolis-Guiratinga, dom Juventino Kestering, de 71 anos.
O 15º Intereclesial das CEBs vai ocorrer em 2022, mas a partir deste ano o encontro já começa a ser organizado, com debates sobre o tema central (não definido ainda), diálogo com a população do estado, contatos com as Comunidades Eclesiais de Base do país inteiro e viabilização de estrutura.
A delegação mato-grossense em Londrina foi composta por 140 pessoas das dioceses de Barra do Garças, Juína, Sinop, Cáceres, Cuiabá, Rondonópolis-Guiratinga, Primavera do Leste-Paranatinga e da prelazia de São Félix do Araguaia.
O tema foi aprofundado em 13 miniplenárias: juventudes; ecologia e cuidado ambiental; cultura e lazer; formação e educação; movimentos e organizações sociais; acesso e condições de moradia; pluralismo, ecumenismo e diálogo inter-religioso; mobilidade, transporte e locomoção; violência e segurança; mídia, novas tecnologias e direito à comunicação; saúde e saneamento básico; democratização e participação política; mudanças no mundo do trabalho e os impactos na participação da comunidade.
As grandes e miniplenárias tiveram assessoria de sociólogos, ambientalistas, arquitetos, teólogos, cientistas sociais, entre outros, todos engajados com as CEBs e movimentos sociais.
Para a coordenadora da CEBs de Mato Grosso, Maria Cleuza Feriani, de 60 anos, os desafios do mundo urbano que mais repercutem em Mato Grosso são moradia, educação e agronegócio. Quanto ao primeiro, destaque negativo para o crescimento de periferias nas cidades de grande, médio e pequeno porte, como Cuiabá (590 mil habitantes), Várzea Grande (274 mil) e Carlinda (10 mil), conforme dados do IBGE/2017.
A cobertura do 14º Intereclesial pode ser conferida pelo site CEBs do Brasil e em sua página no Facebook, que tem horas e horas arquivadas de transmissão ao vivo. Também pelo jornal “A Caminho”, distribuído no final do encontro e disponível aqui e aqui.
Mundo indígena, trabalho escravo e questão ecológica
Os possíveis temas apontados pelo frade para o 15º Intereclesial vão ao encontro do forte questionamento que setores da sociedade fazem em Mato Grosso e em outros estados ao desenvolvimento baseado no agronegócio, na concentração de terras e na isenção de impostos a grandes empresas.
A se confirmar a previsão, terão mais eco as reivindicações de indígenas como Fábio Titiah, de 36 anos, da etnia Pataxó-Hãhãhãe, aldeia Caramuru, em Pau Brasil (BA). Em Londrina ele denunciou o agronegócio, as bancadas ruralista e evangélica por sustentarem o governo Temer na intenção de atacar direitos garantidos pela Constituição de 1988, como a terra, a cultura e a tradição. “Nossos direitos estão sendo jogados fora depois que conquistamos tudo isso com tanta luta, suor e mortes.”
Números e linha de pensamento
As CEBs são formadas por pessoas que atuam a partir de uma igreja que valoriza a participação do leigo e da leiga na condução de trabalhos em pequenas comunidades e que também estão engajadas em trabalhos voltados às minorias sociais.
Esses aspectos correspondem a um modelo pastoral baseado na espiritualidade do Concílio Vaticano II, que ocorreu entre 1962 e 1965 e revolucionou a atuação pastoral, sobretudo na América Latina. As CEBs iniciaram neste período, alimentaram-se da religiosidade popular e fundamentos teóricos da Teologia da Libertação. Entre seus ícones estão o seringalista Chico Mendes, o bispo emérito de São Félix do Araguaia, dom Pedro Casaldáliga, o teólogo Leonardo Boff e a sindicalista paraibana Margarida Alves.
Gibran Lachowski é cuiabano, 40 anos, jornalista, professor do curso de Jornalismo da Unemat/campus de Alto Araguaia e integrante da equipe de Comunicação das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) de Mato Grosso.
[…] Material publicado por Gibran Luis Lachowski, da equipe de comunicação das CEBs/MT, Regional Oeste 2, no site Cidadão Cultura, de Cuiabá […]