Por Geni Núñez*
Que perfeito seria um mundo sem esse amor! Muitas vezes acredita-se que o que falta no mundo é amor, mas penso que este amor se constitui justamente da falta.
Quanto mais único/exclusivo, mais especial. Somos construídos para achar desconfortável ouvir “te amo como amo todo mundo/te amo tanto quanto amo a milhares de pessoas”.
O valor da construção deste amor colonial vem da escassez, ou melhor, da concentração.
Que se tenha muito amor, mas que este amor seja só por x pessoa. Algo que lembra muito a lógica da renda e a propriedade privada. Devemos nos importar, cuidar e amar daquilo que é “nosso”. Pra fora disso, a sensibilização cai mil degraus: que os ~outros adoeçam, sofram e morram, sem vinculação afetiva, pouco ou nada arranha o peito.
“Ah, mas e se expandirmos o amor para quem ele não chega?”
Se expandirmos em máxima potência ele deixa de existir, me parece. Porque esse tipo de amor precisa de um contraste, precisa haver os que amo x os que não amo. Novamente me lembra o dinheiro: se todo mundo tiver bilhões, ninguém terá bilhões, porque perde o valor que se dá justamente pela desigualdade brutal da concentração.
Então o desejo de ser incluído no amor colonial por vezes ou entra na lógica da exceção, da substituição, do descarte. Também como o dinheiro, este tipo de amor é um privilégio que articulado com posições sociais, reifica lugares de importância no mundo.
Nesse sentido, estamos muitas vezes com medo de perder o (pouco) amor que temos, mas penso que, utopicamente, se nos vinculássemos de outras formas, não precisaríamos ter medo nenhum.
Se o direito à saúde, ao prazer, à dignidade não estivessem condicionados ao merecimento (no qual entra forte o amor), penso que nossas relações conosco e com o mundo seriam muito mais leves.
Amores horizontais não implicam em amar tudo da mesma forma, do mesmo jeito, mas amar sem hierarquia.
Não é sobre homogeneização, mas sobre uma diferença radical, da impossibilidade de submeter a uma competição coisas como chuva, gente, capivara, abraço e tomate.
*Geni Núñez, Guarani, ativista no movimento indígena, sapatão, não monogâmica. Mestre em Psicologia e Doutoranda em Ciências Humanas (UFSC). Pesquisa colonialidades.