Por Túlio Paniago*
Quadras vazias. Casas em ruínas. Portas e janelas fechadas. Estética colonial. Paralelepípedos compõem as arborizadas ruas. Desértica praça central. Igreja cuja estrutura corroída escancara o que se oculta. Aridez espiritual. Escassez de milagres. Deus não se cria sem fé. Fiéis são os pássaros às árvores. Nada sobra, exceto a falta. Excesso de abandono, sobras de solidão, sobejo de desprezo.
Penumbra se apossa dos resquícios de tarde. Longínquo canto dos sabiás se dilui na densidade imperativa do silêncio. Extensão de vácuo. Cabeça despovoada de pensamentos. Membros livres de corpo. Vazio que preenche. A quem o óbito habita? Quietude precede ruptura. Som metálico oco irrompe a mudez totalitária. Cães despertam. Latidos dispersos. Caninos coléricos, banguelas de se morderem, ladram por ladrar à espera de uma mordaça que melhor lhes sirva. Domesticados. Onde se abrigam se se obrigam a se ocupar de ausência? Castrados. Do que se alimentam se lhes falta fome?
Silêncio. Ecoa o silêncio mineral. Presença às avessas é quase ausência, porém pior. Muda, cega e surda. Tempos idos futuros; passados que estão por vir. Dissolvem-se as reminiscências dos tempos. A história é a tábua onde se sacrifica a memória daquilo que houve mas não se ouve. Silêncio dos tempos. Espaços de ausência. Os vencedores se perderam.
Cidade sem alma. Banco central da praça central. No centro de tudo. No meio do nada. Quem povoa cidades fantasmas? Almas penadas, talvez. E quantos nos habitam ao longo da vida? A mudez do silêncio grita. E a voz do dono não diz quem é o dono da voz que sussurra as palavras não ditas, tampouco dá vez às vozes que outrora gritaram sob a pele que agora habita.
Lâmpadas piscam. Pálpebras pescam. Atenção fisgada. Luz amarela a ensolarar as trevas. Luminosidade azeitosa a ungir o silêncio orgânico das pedras. Insetos atraídos pela iluminação purulenta. Luciferante brilho que cega-guia. Insetos consumidos pelo fervor da luz. Explosão. Breu. Microcosmo luminoso reduzido a cacos de Kaos. Pudesse Ícaro também daria cabo do Sol? Asas de cera se desfazem quando expostas ao que arde. Todos os fogos o fogo.
Atmosfera densa. Palpável. Agride o corpo. A concretude dos ares congestiona os pulmões. A pastosa consistência dos suores veda os poros. Não inspira. Não expira. Não transpira. Sente na pele o apelo da alma. A solidez da solidão comprime os ócios. Osteoporose da psiquê.
Balé das nuvens desvela a lua. Claridade parca. Luz plácida revela a palidez da praça. A fluidez do vento desafia a rigidez dos troncos. Árvores tronchas cujas sombras engolem os escombros enquanto as copas copulam entre si. Pensa nos passos que dera até ali, mas sobretudo nos que jamais dera ou dará. Caminhos sem rastros. Trilhas nunca abertas. O que se quis ser quando não era. Inexistências existem. Se fazem ouvir no silêncio mineral das rochas.
*Túlio Paniago Vilela é jornalista e escritor da cidade de Mineiros.