Antonio Montenegro       

O título deste artigo se inspira no quadro do pintor René Magritte, – A Traição das Imagens – de 1929. O quadro retrata um cachimbo e, logo abaixo, a frase ‘Isto não é um cachimbo’. A imagem e a frase constatam o ‘óbvio’, pois, a pintura do cachimbo não é um ‘cachimbo real’. Também é possível inferir que a frase ‘Isto não é um cachimbo’ não é o ‘cachimbo pintado’, afinal escrita e desenho são de naturezas distintas. O choque vivenciado por esta pintura associava-se à leituras em outras áreas do conhecimento.

Isto não é um cachimbo, de René Magritte

Relembrava-me Oliver Sacks no livro ‘Um antropólogo em Marte’ ao narrar a história de Virgil que, ainda criança, perdeu a visão. Tornou-se adulto, deficiente visual que trabalhava e administrava a sua vida. No entanto, aos cinquenta anos noivou. A companheira conseguiu que fosse examinado por um oftalmologista que o operou e, assim, voltou a enxergar. No entanto, os olhos reconheciam luz, movimento e cor, tudo misturado, sem sentido. Necessitou um período de aprendizagem para ver com os olhos. Afinal, sua forma de percepção visual até então era tátil.

Oliver Sacks, autor de Um antropólogo em Marte

Esta história de Virgil e o quadro de Magritte remetem meu pensamento à descoberta de que não apenas a linguagem e os objetos não existem associados numa relação natural. A percepção visual também é aprendida, e não resultado apenas da evolução biológica. Não basta abrir os olhos para perceber a realidade. E foi na leitura da “Metapsicologia Freudiana” de Alfredo Garcia-Roza que compreendi que só nos tornarmos ‘humanos’ se tivermos relações com outras pessoas, entenda-se, outros aparelhos de linguagem. É por meio destas relações que aprendemos a associar linguagem à objetos. E assim a realidade adquire forma e significado na mente. O significado que atribuímos ao mundo é construído no convívio social em que estamos inseridos. As inúmeras histórias de crianças que cresceram sem o aprendizado da linguagem humana atestam a força desta teoria.

Há alguns anos fui surpreendido com a leitura de Wittgenstein. Uma de suas frases “As fronteiras da minha linguagem são as fronteiras do meu universo” reforçaram a teoria que a realidade significa como a pensamos na linguagem. Ao assistir declarações do chefe da nação brasileira, percebo um personagem cuja linguagem para a sociedade é a do militar no comando da sua “tropa de ministros”. E o resultado é um conflito incontornável entre pensamento e realidade. Logo concluo: ‘Isto não é um presidente’.

 

Prof. Antonio Torres Montenegro. Professor Titular do Departamento de 
História (UFPE)

 

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