Uma reflexão que sempre busco propor é sobre o papel da comunicação social, que já em seu nome carrega a responsabilidade por tudo aquilo que é coletivo. O peso desse ofício é sentido seja no início, nos bancos da universidade, seja após dez anos de experiência. Seguir, ciente do dever para com a sociedade e o que é público, é um desafio imenso em um país onde a desinformação prolifera como o vírus. E mata tanto quanto ele.

Nem sempre a sociedade consegue identificar com tamanha facilidade quando um veículo de comunicação é parcial ou omisso. Alguns dos principais jornais ficaram em silêncio diante do maior protesto (29/5) dos últimos tempos contra o presidente Bolsonaro e que tomou as ruas do país, mesmo em meio à pandemia. Apenas a Folha de S. Paulo estampou a notícia na manchete, como há de ser em um jornalismo minimamente profissional. Estadão e O Globo carimbaram suas páginas com a autocensura. Correndo atrás do prejuízo, o site do G1 reuniu manifestações de famosos e deixou a matéria em destaque no domingo.

Manchetes dos jornais brasileiros sobre protestos contra o governo Bolsonaro

Se nas manchetes dos principais jornais fome virou insegurança alimentar e reluta-se em chamar o autor de um projeto de morte em massa de genocida, por outro lado, iniciativas de jornalismo independente resistem nas trincheiras da internet.

É o caso deste portal, que há cinco anos traz conteúdo autoral quase que diariamente. Levamos a Cidadã(o) Cultura para frente porque acreditamos neste trabalho, que acolhe a pluralidade de ideias e a diversidade de narrativas. É um laboratório de comunicação que, mesmo aos trancos e barrancos, ocupa um espaço fundamental na disseminação de conhecimento e no mapeamento da produção cultural mato-grossense.

O reconhecimento à essa dedicação nem sempre é financeiro (e no nosso caso, diferente do que muitos podem pensar, quase nunca é). Apresentar o seu projeto de comunicação social e compartilhar o que se tem aprendido ao longo desse tempo com alunos de pós-graduação pode ser considerado um verdadeiro prêmio Esso, como classificou muito bem o jornalista João Negro, do Expresso 61.

Em uma manhã de sábado, as telas dos dispositivos relevaram as histórias de comunicadores que atuam no Centro-Oeste. O encontro foi proporcionado pela disciplina “Comunicação e Territorialidades”, construída por docentes das Universidades Federais de Mato Grosso (UFMT), Roraima (UFRR), Espírito Santo (UFES), Ceará (UFC) da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e da Universidade de Sorocaba (Uniso).

“A ideia é pensar territórios e territorialidades de modo ampliado, pensando nas produções feitas tanto em regiões periféricas dos grandes centros urbanos, quanto em regiões periféricas em relação ao eixo político, econômico e midiático”, explica a professora Tamires Coêlho da UFMT. O projeto envolveu profissionais de todas as regiões do Brasil, comprometidos com seus territórios e que pensam nas especificidades de onde falam. Foram cinco rodas de conversa com os alunos.

“Assim, conseguimos destacar a importância das territorialidades na produção midiática e na produção científica em Comunicação, aprender com as experiências alternativas/independentes/periféricas e/ou centradas em âmbito local. A proposta da disciplina tenta focar na diversidade da comunicação fora dos centros, afastando-se de uma visão única e reducionista de periferia”, acrescenta.

Roda de conversa com comunicadores do Centro-Oeste

Representando o Centro-Oeste, estiveram presentes: Gilmar Galache, da Associação Cultural de Realizadores Indígenas (ASCURI), com ampla produção de conteúdo audiovisual; Mylena Fraiha, co-fundadora do coletivo de jornalismo alternativo Revista Badaró – trabalham com jornalismo em quadrinhos! -; o já mencionado jornalista João Negrão do Expresso61, site comprometido com a democracia, Antonio Costa do Zaki News, que faz um importante resgate da memória de Cáceres; e Geremias dos Santos da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço) e da Rádio Comunitária CPA FM (105,9).

Foi um encontro muito interessante para conhecer a pluralidade da produção jornalística, em especial a independente. São ideias e coletivos que fogem da narrativa hegemônica para cumprir o dever primeiro daquilo que entendemos jornalismo, passando a ocupar um espaço fundamental reservado à comunicação social. As trocas daquele dia foram compiladas em um podcast, o PapoCom, produzido pela UFC.

Edição do Jornal do Brasil no dia seguinte ao golpe militar.

E ao pensar em projetos de comunicação como os citados acima, fica ainda mais evidente a conduta nociva e antidemocrática da grande imprensa brasileira. As manchetes do Estado de S. Paulo e de O Globo nos remetem a um dos momentos mais sombrios da história do Brasil.

Em 1968, quando a ditadura militar baixou o Ato Institucional nº 5, a censura já havia se instaurado nas redações. Receitas de bolo ocupavam as páginas dos jornais no lugar das notícias. No Jornal do Brasil, pequenos trechos do periódico revelavam a real situação, aplacando os censores, como no caso da previsão do tempo: “Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos.”.

Então se o título desse texto parece óbvio, redundante ou pouco criativo, eu insisto em resgatar o termo. É preciso fortalecer o sentido do jornalismo, que é a comunicação social. Sem o social, não há jornalismo.

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Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

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