Por Antonio Torres Montenegro*
Os recentes acontecimentos relacionados a comemoração nos quartéis do golpe de 1964 provocou amplo debate na mídia, nas redes sociais, na sociedade civil, e trouxe à tona o imponderável da história. O tema do golpe de 1964 – os inúmeros malefícios que a ditadura impôs a sociedade – parecia ser preocupação de estreita parcela da população, foi transformado em questão candente para a sociedade. O escritor Paulo Coelho escreve para o jornal Washington Post relatando sua prisão, tortura e quase morte; a cerveja anuncia “Se for para comemorar o golpe de 1964, por favor, não compre Rio Carioca”; ocorrem manifestações em diversas capitais e cidades do País, reafirmando que não há o que comemorar. Mas há o que relembrar, para que jamais voltemos ao tempo da violência – de prisões arbitrárias, sequestros, torturas e assassinatos – como prática dominante contra qualquer pessoa denunciada às autoridades militares.
Muitas vezes em conversas, debates, aulas quando alguém afirmava que a sociedade não tem memória, ao assistirmos a ascensão da extrema direita no País, discordava inteiramente. Primeiro, porque apenas os negacionistas ou revisionistas associados aos que se beneficiaram diretamente da ditadura afirmam o contrário do que ampla documentação esta a comprovar, a ditadura foi um período de “horror”. Segundo, porque há uma parcela da sociedade que desconhece a história desse período em razão da reduzida formação escolar.
No entanto, uma das maiores evidências de que a sociedade tem memória da ditadura, pode ser constatado quando comparamos jornais, revistas, pronunciamentos de políticos e de instituições da sociedade civil, inclusive a CNBB naquele período e hoje. Em 1964, jornais, revistas, a maior parte dos políticos, de empresários e de representantes da sociedade civil apoiaram o golpe. Alguns acreditavam em outro desfecho após a intervenção militar e se passaram para oposição em face das constantes violações aos direitos humanos.
O que assistimos hoje? A Rede Globo reconhecer que errou ao apoiar o golpe, a maioria dos políticos, de representantes da sociedade civil manifestarem-se em defesa da democracia. A juíza Ivani Luz atendendo pedido da Defensoria Pública da União proibir atos de comemoração. Essas manifestações atestam uma memória “nunca mais ditadura militar”. Afinal há um luto das famílias das vítimas que não se encerrou, e há uma responsabilidade que não foi assumida por todos que cometeram crimes. Diferente do Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai, somos o único país que perdoou os ditadores.
Antonio Torres Montenegro. Professor Titular de História Contemporânea do Departamento de História,UFPE.