É muito estranha a sensação de envelhecimento, principalmente quando nos deparamos com o tempo que passou estampado na cara de outro cara. As convicções de outrora já não cabem nesse tempo. Assim seja. Assim é.

Quando olhamos para o retrovisor é possível perceber que zilhões de estradas e caminhos se cruzaram e descruzaram, ficaram nas paralelas, desapareceram, surgiram outras, e estão ali na tela de dentro da gente, como um filme submerso em nossa própria experiência.

O corpo vai ficando cada vez mais pesado como um baú acumulando penduricalhos, a proa agastada pelas horas a suportar nosso peso na viagem.

Como é duro lidar com as mil faces que vão se desenhando em nossa cara a cada dia que passa e nos arrasta em turbilhão.

Acervo Pessoal / Facebook
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Digo tudo isso para falar de meu reencontro com Paulo Ávila, o rapper Linha Dura. Fiz uma entrevista com ele em 2006 para o site Overmundo, e agora, em outra conversa, 10 anos depois, fico a matutar sobre esse poder superior que o tempo tem sobre nossas vidas. Sobre a forma como a vida se dá entre tantos acontecimentos que fogem de nossa capacidade de operar a realidade.

Atuamos sob o poder de forças coletivas e inconscientes, loucamente atirados numa sequência cíclica, histórica, louca, esquizofrênica, onde as máquinas ensandecidas vão alimentando o jogo da vida entre sustos e planos mal fadados. Umas coisas construídas, sendo feitas, outras desfeitas, enfim, um caos sem fim e que nunca sabemos onde isso vai dar.

Acervo Pessoal / Facebook
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Hoje, em 2016, parece que o desencanto assola essas cabeças. Uma coisa de época, a exemplo do fundador do Pirate Bay, Peter Sunde, que, em entrevista recente, deu o tom de desânimo, da sensação de que a guerra libertária foi perdida diante da imponência voraz do capitalismo que incorpora as rebeldias e as transforma em seus próprios núcleos geradores de novidades mercadológicas. A capacidade de assimilação e de superação do capitalismo com suas armas sedutoras com base na propaganda, ou seja, o poder que o capital exerce sob a fantasia das pessoas criando imagens fascinantes de que o consumo é a ponte de acesso para a suprema felicidade. Esses valores, com base na ideia de consumir sempre, passa a noção de que tiveram o poder de anestesiar em muitos toda e qualquer forma de desejo de lutar para a sua libertação. Comprando, empregando, assimilando, cooptando, destruindo, seja lá como for.

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Mas, Linha Dura faz parte desse desencanto, dessa falta de projeto, lutar pelo quê? Eis a questão colocada. Ele agora busca crescer na carreira musical, se fortalecer nesse campo da luta, “ficar grande com minha música para poder contribuir mais. Esquece esse negócio de coletivo, ninguém quer saber de união. As coisas que a gente vem falando há vinte anos são as mesmas e não saímos do lugar. Agora quero outra coisa, ficar forte com meu trabalho e contribuir de outras maneiras. Estou investindo em minha carreira musical como negócio mesmo. O pessoal novo está vindo com aquela ideia que já tive antes, de que o trabalho não é para ganhar dinheiro, mas a vida passa, hoje tenho quatro filhas e a vida exige isso, preciso trabalhar e botar comida em casa.”

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Ele vai tecendo reflexões sobre sua trajetória e o filme continua a passar em minha cabeça. “Os espaços para shows em Cuiabá são restritos nunca conseguimos formar um mercado para poder circular e ficar autossuficiente.”

Sou cúmplice, estamos nessa luta por formação de público e meios de sustentação há muito tempo. Desde os anos de 1980 quando iniciamos uma movimentação que foi crescendo entre vazios e ações intermitentes. Mas as coisas são difíceis, na realidade existe um grande preconceito ou desconhecimento da música que é feita por aqui. Basta dizer que estamos exportando músicos e bandas para os grandes centros e estão fazendo sucesso por lá.

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“As pessoas estranharam meu primeiro CD lá fora, nos grandes centros. Não conseguiam captar a essência de meu trabalho com elementos do siriri e cururu, instrumentos como o mocho e o ganzá, foi um trabalho bastante experimental. O segundo CD que estou finalizando vem com outra pegada, uma linguagem mais universal”. Na real, não existe fórmula para se conseguir sucesso. As linguagens se multiplicam no ritmo veloz da contemporaneidade. Os grandes veículos de comunicação estão comprometidos com os grandes esquemas de divulgação que investem muita grana para colocarem seus produtos no mercado. A internet propiciou o surgimento de outros modelos de negócio. Mas não se iluda, nem a rede é de graça, tudo é manipulável. O jeito é encontrar sua turma, o comumente chamado nicho.

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“O rap não vai acabar nunca, ele vai se adaptando e cresce no mundo todo.” Isto é uma constatação, o rap é hoje a música mais difundida em todo o mundo. “Hoje é menos revolta, as letras mudaram com o tempo, os temas mudaram, hoje é diferente.”

As coisas mudam, seguem o curso da vida, do tempo que a tudo devora. Amanhã não seremos o que somos hoje.

 

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