Mais um Natal.
Por um instante havia esquecido. Chegamos ao final do ano de 2019. Encerramos uma década de intensas transformações.
A volúpia consumista tomou conta do mundo de forma tão avassaladora que as pessoas mergulham sem pensar no movimento das ruas, no frenesi do comércio enfeitado de luzes e bugigangas inúteis, nas ondas dos modismos ditados por uma indústria cada vez mais voraz de consumidores hipnotizados pela propaganda enganosa da produção ilimitada de todo tipo de parafernália, de produtos de consumo imediato e desnecessário que inevitavelmente se transformarão em lixo em pouco tempo, numa velocidade terrível de descartes de materiais plásticos, papel, papelão, alumínio, vidros e etcetera e tal, junto aos restos dos banquetes, insalubre mistura de sobejos.
-“Joga fora no lixo!”
E o lixo tornou-se aquele lugar repulsivo, abominável e longínquo, para onde vai tudo aquilo que rejeitamos.
Lixo nosso de cada dia. Que agonia,
Ave maria ! Minha Santinha, para onde caminha a humanidade? Para que abismo insano onde se acumula tudo que lançamos fora irresponsavelmente?
Num mundo perturbado pelo apelo consumista pouco se faz para conter o problema que parece ser imensurável em sua complexidade.
Não refletimos sobre isso, descartamos automaticamente tudo que perdeu a utilidade e pronto! Estamos livres momentaneamente, limpamos as nossas casas e sujamos o mundo.
Uma triste constatação perceber que agimos como se o problema não fosse da nossa conta.
Mas uma hora a conta chega e com certeza será um alto preço a pagar pela nossa negligência.
Dias atrás durante a visita a uma feira de produtos sustentáveis, a Feira Gaia, conheci um grupo de mulheres que trabalham com coleta seletiva de materiais descartáveis. Organizadas e batalhadoras desenvolvem o tão necessário manejo dos descartes urbanos.
Cidinha, a Maria Aparecida do Nascimento, da Associação de Catadores de Material Reciclável e Reutilizável Mato Grosso Sustentável (Asmats), conhecida na comunidade de catadoras, trabalha junto com a família realizando essa incrível tarefa de recolher, selecionar e dar um destino correto a materiais como plástico, papelão e outros, encaminhando para reciclagem industrial volumes imensos de descartes.
Vive a dura realidade de catadora desde meados da década de noventa, quando passou a viver no entorno de um dos maiores lixões do aglomerado urbano de Várzea Grande.
A despeito das adversidades enfrenta com orgulho e dignidade os desafios que surgem em sua jornada. No rosto iluminado por um sorriso franco vê-se a consciência dela sobre um tema tão relegado pelo poder público.
Por que cidades do porte de Várzea Grande e Cuiabá ainda não têm coleta seletiva? Estamos no limiar de uma nova década que se abre, temos acesso a incríveis tecnologias, o problema é de todos mas parece que a sociedade permanece anestesiada em relação a isso.
Um trabalho extremamente necessário, imprescindível para conter o volume do desperdício, num mundo consumista e insano onde a humanidade se perde de suas origens naturais, e joga fora a sua possibilidade de sobrevivência.
Lá na ponta do sistema, numa linha de invisibilidade, essas mulheres corajosas e incansáveis realizam a mais difícil das tarefas: organizar parte do caos que geramos impensadamente, como se isso não fosse parte de nossa existência.
A essas mulheres maravilhosas minha mais profunda gratidão por exercerem com tanto amor a incansável luta por um mundo melhor. Espero que um dia esse enorme esforço tenha o devido reconhecimento e finalmente a humanidade entenda o sentido da palavra respeito.