Por Leonardo Roberto*
A propensão para as artes da casa grande e da senzala se equivalia, quando não raro se visse os afro-brasileiros ligados com mais afinco à comemoração de seus costumes, enquanto o dono de terra morava (mora?) no mundo bidimensional do ouro e do chicote. Abastados sortudos, filhos da aristocracia colonial, de comerciantes e de fazendeiros, em alguns poucos casos, iam até Coimbra receber estudo formal. Essa é a exceção, a regra era o iletramento e o caráter ágrafo.
As etnociências, os costumes e o conhecimento da fauna e flora pelos nativos só era aceito quando inadvertido, como na culinária e na medicina. Tampouco havia a educação ocidental de maior prestígio. Ainda que houvessem iniciativas para a criação de instituições da ciência, principalmente por parte dos jesuítas, foi só com a chegada da corte, no século 19 que se estabeleceram as bases do progresso científico e educacional no país. Antes disso, o estudo da filosofia (ou ciência) natural era a afronta mor ao que hoje chamamos de criacionismo, condenada pela ordem jesuítica, à época, responsável pela educação na colônia através de suas missões.
Isso pode ser rastreado a partir de estigmas presentes nos dias de hoje. Na ideia do “gaúcho gay” — principalmente entre os pelotenses — que surge quando os estancieiros do sul do país mandavam seus filhos para estudar na Europa, principalmente na França e estes voltavam com outros hábitos de higiene, relacionavam as condições sanitárias a doenças, advertiam para os perigos de comer sempre com a mão ao invés de usar talheres, sendo assim tachados como pouco másculos. Os modismos e vestimentas, como camisas com golas, também era malvistas pela sociedade gaúcha na época que era, digamos, rústica.
Não sejamos injustos esquecendo do letramento promovido por outras ordens religiosas que tentaram suprir a ausência do estado na educação, como quando o clero secular, espontaneamente, foi responsável pela alfabetização desses girinos da burguesia nacional, condicionada, é claro, pelos valores católicos, levando a moral cristã dogmática para os primeiros cidadãos do bem, principalmente entre as moças, lapidando a moral sexual conservadora da chamada família tradicional.
Até mesmo o maior movimento de emancipação das ideias, que navegou por todos os oceanos do globo, vem para o Brasil de uma forma particular, com as reformas pombalinas, que procuraram instituir o ensino leigo e modernizar a educação, mas nunca atingiram sequer as elites e quanto mais o povo. A primeira reforma na educação nacional, iluminista à pombalina ou à brasileira, fracassa e a educação retrocede ao ensino religioso. Isso no final do século 18. As colônias espanholas, nesse momento, já contavam com mais de uma dezena de universidades, sendo a primeira criada na primeira metade do século 16 em Santo Domingo.
Quando o Brasil se torna sede do reino unido de Portugal, na vexatória fuga da corte imposta pela sinuca de bico criada com o bloqueio continental, surgem as primeiras instituições da ciência e da cultura. Academias militares, faculdades, bibliotecas, museus, óperas, jardins botânicos. Nenhuma universidade, entretanto. O desespero do rei para modernizar o país e elevar sua cultura faz com que a corte e, posteriormente, o império, emitam mais títulos de nobreza do que havia ocorrido nos três séculos anteriores em Portugal. Assim, sem muito critério, a nobreza incha, surgem as castas brasilóides.
Sergio Buarque de Hollanda cunha o termo “bovarismo”, inspirado na Madame Bovary, do romance de Flaubert, para falar do brasileiro que acredita ser o que não é. A angústia do não-ser, o “invencível desencanto em face das condições reais”. A emoção baseada no imprevisto do futebol, a meritocracia deturpada. O destino manifesto. Deus é brasileiro. “Instinto Caraíba, elites vegetais”. “Só não há determinismo onde há o mistério. Mas o que nós temos com isso?”.
Outro relato atemporal retrata nossa pretensa elite: Quando a corte desembarca no Rio de Janeiro, as mulheres da nobreza, dentre elas, Carlota Joaquina, surgem carecas e/ou vestindo turbantes devido a uma infestação de piolho nos quase dois meses de travessia marítima. As damas da high-society carioca se prontificam a seguir a suposta moda europeia e era comum, em meados de 1808, ver as senhoras da elite ostentando suas brilhantes, ou melhor, reluzentes, cabeças raspadas, ao que supunham ser a vanguarda estilística europeia. Chic.
O estado gasta muito! Déficit fiscal. Reforma da previdência já! Como disse Onyx Lorenzoni, tem que segurar a cervejinha no final de semana pra pagar o vestido de debutante da filha no fim do ano. O Brasil gasta demais com educação, mas tem sobra pra deixar passar a dívida de 17 bilhões do agronegócio, pra reverter multa ambiental, pra ignorar os 426 bilhões não repassados — de empresas pequenas como o Bradesco, a Vale, a Caixa, a JBS — ao INSS. Tributar igreja então, nem se fala, nem se pensa porque é pecado, obra do demo, mesmo que a igreja católica, tão pobre (e tutora dos pobres), coitada, tenha simplesmente o maior patrimônio imobiliário do mundo, sem contar as obras de arte e seu conglomerado midiático. Não vou nem me indispor a falar sobre os pastores evangélicos. Nem da reforma da previdência, que tem dado tão certo na Argentina. Brasil e Estados Unidos acima de tudo, Estados Unidos acima de todos! Lembre-se: se quiser vir aqui e transar com uma mulher, fique à vontade!
*Leonardo Roberto é estudante de mestrado no programa de Estudos de Cultura Contemporânea na Universidade Federal do Mato Grosso (ECCO-PPG).