Com a coragem na mochila, Márcio Pimenta abandonou um doutorado no Chile para se lançar à arte do olhar. Foi em suas viagens, já tendo passado pela Europa e América Latina, em umas voltas pela Colômbia que comprou uma câmera, e percebeu que gostava mais da fotografia do que da vida acadêmica. E foi assim, há exatos cinco anos que Márcio Pimenta se encontrou no fotojornalismo.

Formado em economia, com o doutorado engatilhado, Márcio Pimenta arriscou e trocou a vida acadêmica, da qual estava deprimido com as perspectivas que se apresentavam, pelas lentes das câmeras. “Tive um ano sabático em Salvador, fiquei fotografando, escrevendo o livro e voltei para defender a tese no Chile, mas abandonei o doutorado para fotografar, e sem saber exatamente o que queria fotografar”, contou.

At a time of prayer for "Bamba". Senegalese practice religion regularly. Foto: Marcio Pimenta
At a time of prayer for “Bamba”. Senegalese practice religion regularly – Foto: Marcio Pimenta

Mesmo sem saber das dificuldades inerentes ao mercado da fotografia, Márcio abriu mão da comodidade até se encontrar no fotojornalismo. “Gosto de contar história, e tive a vantagem de começar tarde na fotografia, em geral, escolho minhas pautas por ser freelancer, e estou sempre acompanhando os jornais, e tem também a bagagem da economia, e do doutorado em Relações Internacionais”.

A narrativa em contar uma história pelo olhar, pois Márcio Pimenta considera que o fotojornalismo é 20% fotografia e 80% leitura. “Chego no local e escolho a foto, mas tem o conteúdo prévio, o que dá grande vantagem para buscar o que fotografar”.

A cobertura fotográfica que mais o chocou, foi pela National Geographic do desastre ambiental ocorrido em Mariana, Minas Gerais. O impacto da cobertura ainda está sendo digerido pelo fotógrafo. “Mariana me chocou bastante, por já ter esse conhecimento de meio ambiente e capitalismo, foi bastante assustador. Não no momento de fazer, mas ao subir as fotos foi que me dei conta do que eu tinha fotografado e foi bastante assustador, me impressionou bastante a minha própria foto”.

This photograph shows the status of one of the houses of the rural village Bento Rodrigues, Mariana, Minas Gerais, Brazil, 12/09/15. "The noise was deafening. Iron noise twisting, glass being broken, trees being uprooted from the ground, the cry of the people ... and all being dragged without any resistance, "says Mr. Vandir, a local resident. He and his family survived the tailings slurry tsunami caused by dam break in Mariana (MG, Brazil) - Foto: Marcio Pimenta
This photograph shows the status of one of the houses of the rural village Bento Rodrigues, Mariana, Minas Gerais, Brazil, 12/09/15. “The noise was deafening. Iron noise twisting, glass being broken, trees being uprooted from the ground, the cry of the people … and all being dragged without any resistance, “says Mr. Vandir, a local resident. He and his family survived the tailings slurry tsunami caused by dam break in Mariana (MG, Brazil) – Foto: Marcio Pimenta

Um mecanismo de defesa para poder lidar com a realidade que se sobrepõe ao fotógrafo. “É um profissional fotografando no campo e no hotel para subir as fotos eu fui pego de surpresa pelo impacto, é um mecanismo de defesa, ainda estou com certa dificuldade de fotografar depois de Mariana, por que foi tão impactante que os outros temas tem se tornado menos relevantes, diminui minha vontade de fotografar”.

Em sua memória fotográfica, Márcio Pimenta destaca alguns trabalhos como quando conviveu com os pescadores de Florianópolis, tendo sido esta sua primeira grande reportagem, em que teve que passar 25 dias convivendo na praia, em um barracão com 18 pescadores.

Here, under the gaze of Arturo Toraño, women separate the leaves by size. Each size is designed to make up the blend cigar - Foto: Marcio Pimenta
Here, under the gaze of Arturo Toraño, women separate the leaves by size. Each size is designed to make up the blend cigar – Foto: Marcio Pimenta

“Meu objetivo não era fotografar a pesca, mas o convívio entre esses homens. Então como lidar com o confinamento, porque é de certa forma, ficam todos juntos aguardando o momento da pesca, almoçam, jantam, brincam, trabalham, há conflitos, há brincadeiras, solidariedade, uma experiência humana bem incrível. E acima de tudo que me mostrou a paciência, como é difícil fotografar, quando você quer fazer um tema o quanto tem que se dedicar a ele. Nesses 25 dias, com o passar do tempo, os temas se repetem, e o tempo foi passando e fiquei sete dias sem tirar uma foto. Um exercício de paciência incrível”, narrou.

Márcio considera que a vivência é extremamente importante. “Você tem que se despir, tem que se envolver demais com o tema e não interferir nele, ser isento, manter um passo atrás na condição do observador, para não perder isso, mas tem que viver com eles”.

Entre os temas que mais o marcaram, Márcio cita a primeira cobertura jornalística para a National, em que registrou a crise da água em dezembro de 2014. “Foi uma história bem curiosa porque minha primeira oportunidade foi na cidade onde nasci e eu não conhecia, era onde a crise estava mais forte em Ilha Solteira – SP e saí de Curitiba para ir até lá”.

A woman harvesting tobacco leaves that are ready for the next stage of manufacturing -. Foto: Marcio Pimenta
A woman harvesting tobacco leaves that are ready for the next stage of manufacturing -. Foto: Marcio Pimenta

O fotógrafo também cita a cobertura sobre os charutos. “É curiosa a história porque é pouco conhecida e explorada, a produção de fumo no Brasil foi a primeira e uma das maiores. Foram 30 dias de campo e 30 dias de pesquisa, e foi uma região aonde brincava quando era criança, na casa de campo entre as folhas de fumo, e jamais imaginaria que faria uma reportagem grande justamente de um local onde cresci, no Recôncavo Baiano, aonde começou a produção de fumo”.

“Toda foto é um autorretrato, todo tema tem alguma relação comigo, algum traço da minha personalidade ou da minha história. A reportagem para o El País sobre trabalho escravo também conhecia bastante, por ser no Recôncavo Baiano”.

Para Márcio Pimenta, os fotógrafos sempre querem grandes temas mundiais, mas ressalta que ao nosso redor histórias incríveis estão acontecendo. “Quem não queria estar fotografando este tema (o ataque às Torres Gêmeas nos Estados Unidos), uma insanidade daquelas, mas perto de você pode estar acontecendo histórias incríveis e você não se dá conta. Costumam não prestar atenção ao que está a sua volta, você sabe o que está acontecendo com sua família, mas será que de fato está preocupado em olhar por eles”, questiona.

Life expectancy at work the sugarcane is only 12 years. Similar to slaves.
Life expectancy at work the sugarcane is only 12 years. Similar to slaves – Foto: Marcio Pimenta

Uma das maiores armadilhas que podem existir, é fotografar o que não se conhece, opina Márcio. “Uma estagiária perdeu a chance de fotografar o processo de uma tia com câncer que veio a falecer dois meses depois, é importante fotografar o que você conhece, porque se você fotografar o que não conhece é uma das maiores armadilhas que podem existir. Um fotojornalista precisa saber de história, geografia, economia, poesia, senão não funciona”.

O velho bordão de que uma imagem vale mais que do que mil palavras é desconstruído pelo fotógrafo. “Fotografar hoje é fácil, você tem o celular e não tem nada de errado com isso, é ótimo, mas contar uma história envolve algo maior do que fotografia simples. Você tem que entender as relações humanas e fotografar o ser humano é uma coisa difícil. Exemplo, fiz uma foto do dono da charutaria rodeado de mulheres negras, parece uma cena de coronelismo, de escravidão, e isso para quem não conhece, porque essas mulheres são assalariadas. Então a foto não vale mais do que mil palavras, é uma bobagem isso, tem que ter legenda e contexto, tem que ter informação. Quanto mais você tiver de informação melhor você impacta o seu público”, concluiu.

E se a reportagem foi pouco, se prepare que uma parceria entre o Cidadão Cultura e o fotógrafo Lucas Ninno vai trazer a fotografia para o centro do debate. O primeiro encontro do “Foto na #Tchapa” acontece nesta quinta-feira (5) às 20h e para aquecer a discussão recebemos o fotógrafo Márcio Pimenta para falar sobre fotojornalismo via Skype. No cardápio uma Maria Izabel com farofa de banana, cujo valor será dividido entre os participantes, e deve variar de R$5 a R$7. O debate acontece no QG do Cidadão Cultura, no Bairro Boa Esperança, Rua 43, nº 273. Serão 20 vagas e as inscrições podem ser feitas pelo e-mail cidadaocultura@gmail.com

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Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

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