Mariana Basílio está em plena gestação. Logo será mãe. Mas sua poesia já veio ao mundo com muita luz, fazendo brilhar ainda mais as letras brasileiras. Aliás, a presença feminina se faz cada vez mais forte e visível na cena literária brasileira. O lado bom das redes sociais se faz notar quando nos presenteia com poetas como Mariana. Logo fiz contato, ela, muito solicita, expressou todo seu carinho e atenção com mais poesia.
Vamos conhecê-la um pouco mais?
Cidadão Cultura – Um filho em processo de gestação, um romance…são muito diferentes?
Mariana Basílio – Diferentes no sentido de que já publiquei em livro (que é no caso) poesia? Não e sim.
Não são muito diferentes, porque são processos de formação de ideias que me definem como pessoa e autora em nossa realidade social, principalmente em aspectos como concepção e formação do ser e ter. Ou seja, pela definição de poeta, prosadora e mãe, eu me estabeleço em frente ao reflexo do espelho, e isso não se limita.
Sim, são muito diferentes, por serem fontes diferenciadas de reflexo da experiência, mas ainda fidedignas à essência e à aparência do mundo: primeiro, um filho é uma forma de espanto, absurdez, evocação, que te faz pensar mais ainda no mistério da vida e da palavra; e, em segundo ponto, um livro de prosa, é como outra via – expondo do dito e do não dito, a concretude das ações históricas e nossas estórias particulares.
Enfim, a literatura é a representação de nossa finitude e infinitude.
Gerar é revelar.
-Escreve desde quando?
Amadoramente, desde a minha adolescência, a partir dos 15 anos. Profissionalmente, há cinco anos, tendo publicado três livros de poesia: Nepente (Giostri, 2015), Sombras & Luzes (Penalux, 2016) e Tríptico Vital (Patuá, apoio proAC, 2018).
-Escreve para quê?
É difícil mensurar, mas sinto que escrevo em uma tentativa (talvez vã) que me parece cada dia mais impossível: de me reconhecer inteiramente, e fazer com que alguém – quem sabe – se reconheça em mim; e também para tentar compreender os elos que intercalam nossa sociedade; confabular mesmo sobre a vida e a morte.
-Prosa ou poesia? Clarice ou Drummond?
Prosa e poesia. Além de não-ficção, ensaios, livros de filosofia e de curiosidades históricas e geográficas. Esse é o meu cotidiano. Tudo se adapta, e acho extremamente necessário tentar esmiuçar o que nos recobre as paredes, mesmo com a imensa dificuldade que é escrever enfrentando a (medonha) senhora verdade de nós e dos outros, seja na prosa, seja na poesia.
Clarice Lispector foi uma importante influência em meu trajeto – principalmente em obras como Água-Viva (1971) e A Hora da Estrela (1977) – assim como Carlos Drummond de Andrade sempre me pasmou. Desde quando o conheci nas aulas da escola, encontrei detalhes coletivos e tão pessoais, uma força imagética e magnética; meus livros favoritos dele são Sentimento do Mundo (1940) e A Rosa do Povo (1945).
Veja, ler e escrever tem de ser feito como se navega pela abertura das águas: a possibilidade existe, e o encontro e reencontro das sinapses dos dedos e da mente é que formam o que se torna atemporal na literatura regional, nacional e internacional.
-Da leitura, o que tiras? Quais são os autores preferidos?
Sobrevivência e resistência; o coro contra uma vida sórdida e alienante – e não é só a minha, é a que temos todos, em graus diferentes, em nosso atual modo de produção da sociedade.
Alguns dos autores e autores que me ajudaram muito na formação e decisão de ser escritora: Gil Vicente, Edna St. Vincent Millay, Walt Whitman, Langston Hughes, Virginia Woolf, Liev Tolstói, May Swenson, Anne Sexton, Maya Angelou, Alejandra Pizarnik, Jorge Luis Borges, Herberto Helder, Hilda Hilst, etc.
-Tríptico Vital, seu terceiro livro, onde fica em sua biblioteca?
No devido lugar de livros que se terminam no(a) autor(a): na memória, e no crescimento das forças da escrita. Fica como uma história acabada das ideias e questionamentos que eu tive na idade que o construí, neste caso, entre os 26 e 29 anos de idade.
O Tríptico Vital está nela como meu primeiro poema longo, meu primeiro livro premiado (tem apoio do Prêmio ProAC 32/2017 do Gov. de São Paulo), e meu primeiro projeto mais comentado e resenhado por pessoas inteiramente relacionadas ao meio literário. Ou seja, ficou como um livro de boas premissas. De fato, isso que me surpreendeu, por ser um livro de mais difícil leitura na área poética, afinal, são 164 páginas de uma mesma narrativa filosófica sobre o desenvolvimento do ser humano e sua (in)finitude.
Agora sinto que é tempo de me depurar e seguir envolvida em novas tessituras, potências e possibilidades.
-Quem quiser adquirir o livro, onde encontrar?
O livro está à venda na Editora Patuá, em sua sede física (Patuscada) e em sua loja virtual; está à venda nas livrarias físicas e na loja virtual da Travessa, e também na loja virtual da Amazon.
-Quantas portas se abriram desde a publicação?
Apesar de ter sido o livro mais denso e qualitativo da minha carreira, não esperava a recepção que está tendo, talvez por tê-lo entendido (quando terminei) como uma obra de poesia contemporânea mais “hermética” ou como simplesmente de mais “enfrentamento” do (a) leitor (a), afinal, é uma narrativa ininterrupta e cronológica da vida humana escrita em mais de 160 páginas, nas quais trato da origem da vida, dos elementos sociais, do desenvolvimento biológico, sociológico e geográfico dos nossos elos, até a tomada da morte e suas significâncias para os seres. Logo, estou contente nesse sentido, por sentir que realmente comecei a ser lida, mesmo em um grau pequeno de circulação.
-Importa tanto publicar? Escreves para quem?
Importa sim. Em meu caso, foi uma medida essencial para assumir minha condição de ser-para-o-outro.
Aprendi algo muito valioso com meu primeiro volume de poesias publicadas, Nepente (livro que hoje acho horroroso): só é possível se formar e se desenvolver, no ato de ser escritora, escrevendo. Lendo e escrevendo. É ritual dualíssimo. E para isso, há de se ter um nível profundo de comprometimento diário, uma rotina, projetos e metas. São pressupostos que só se tornam revelação (interior e exterior) quando se decide materializá-los em uma das possíveis representações: em livro impresso, em disco, em slam, peça, panfletos e ebooks, etc.
-Qual a importância da literatura?
A mesma importância que se tem pela sede da água e pela fome dos alimentos; a sangradura ainda corre nas veias, e isso precisamos pelos séculos nomear.
-Quem é Mariana Basílio?
Me perguntam isso sempre, principalmente em entrevistas.
Cada dia é um novo dia, assim como cada resposta será moldada a partir do que sinto no presente – que é jogo simbólico do passado com o futuro. Vejamos. Mariana Basílio, literariamente, é uma artesã dos silêncios, moldando palavras. Mas é também um nada; em face da magnitude da vivência e do rosto escabroso da morte. Sou um tudo no vazio, um corpo no mundo que se dirige aos outros procurando união e revolução, e pelos detalhes é que eu escapulo da minha própria Torre de Babel.
No íntimo, fico com Herman Melville:
Ninguém pode salvar ninguém. Temos de nos salvar a nós próprios.
*Mariana Basílio é prosadora, poeta, ensaísta e tradutora. Nascida em Bauru, interior de São Paulo, em 1989. Mestre em Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Autora dos livros de poesia Nepente (2015) e Sombras & Luzes (2016). Colabora em portais e revistas nacionais e internacionais, tendo traduzido nomes como May Swenson, Alejandra Pizarnik, Edna St. Vincent Millay, Sylvia Plath e William Carlos Williams. Com patrocínio do prêmio ProAC (2017) do Governo de São Paulo, publicou em 2018 seu terceiro livro, o poema longo Tríptico Vital (Patuá). O projeto também foi finalista do programa de Residência Literária do SESC (2018). Mantém o site www.marianabasilio.com.br.