Como pode um velho ranzinza e mal humorado escrever uma saudação para uma jovem escritora que está lançando seu primeiro livro de contos “Me Literatura” (ed. Carlini & Caniato) aos 21 anos de idade? Caramba, preciso ter muito cuidado com Rafaella Elika. São os primeiros pensamentos que me ocorrem ao deitar a cabeça sobre o travesseiro na noite que antecede minha agonia. Caramba, o que esperar das primeiras letras de uma jovem que escreve fácil, aos borbotões, suas memórias, suas relações de afinidade e intimidade, umas inventadas, outras vividas e que ao final do último conto ainda mata o narrador, e eu fico pensando inevitavelmente em Machado de Assis e as Memórias Póstumas de Brás Cubas que logo no início já deixa claro que aquela é uma história contada por um personagem que já morreu. Vi um filme recentemente, As Lendas do Crime, que se passa em Londres, conta a história de dois irmãos gêmeos e que vem sendo narrada até o terceiro terço do filme quando a narradora morre, e ela mesma coloca em questão justamente isso, a do possível estranhamento que possa gerar no espectador de ser a voz que narra e que já morreu na história de suicídio por overdose de remédios. A literatura contemporânea tende a quebrar o conceito de verossimilhança, tem escritor que não está nem aí.
Cacilda, estou aqui, perdido, tentando falar do livro de estreia da Rafaela e fico dando voltas, penso na liberdade que todo autor deve ter. Penso no vigor das novas literaturas periféricas marginais de uma menina que escreve fácil e que ainda tem estrada pra correr e escrever. Lembro-me de um conselho que li do cronista Carlos Heitor Cony, rodado, em uma de suas crônicas na Folha de são Paulo, de que não tem tempo de ler autores novos, que basta ler os clássicos e mais alguns livros e só. Não há tempo para ler tudo e apesar do risco de perder pérolas não lê autores novos. Mas como deixar de saudar essa nova escritora que surge como uma farol a iluminar caminhos tortuosos e subterrâneos da cidade? Vias periféricas e carregadas de histórias da vida real, como é o caso, as histórias de Rafaela têm um frescor e uma integridade bacana e escreve sem pudor, com pitadas de ironia, de verdades, de realidades marginais onde os fracos não têm vez.
Não quero parecer arrogante, aqui são apenas palavras de um velho leitor que gosta de escrever e que vive a vida deixando seguir seu rumo. Nunca sabemos onde isso vai dar. Rafaela tem um caminho aberto, tem talento, tem fôlego e ela diz que está escrevendo um romance desde os quinze anos. A matéria tempo é nossa grande aliada (ou não) é de onde tiramos histórias com somas e ou subtrações daquilo que vivenciamos, de onde escavamos e garimpamos. Não importa se cavamos a própria sepultura, o negócio é seguir. O livro tem histórias de sexo, de morte, de assassinatos, de violência, dessas coisas que acontecem diariamente numa cidade. Ela é uma voz que emerge periférica, latente e de farta potência. O futuro, quem pode saber? Atura-me Me Literatura!
Wuldson Marcelo, escritor cuiabano e descobridor de Rafaela, escreve assim na apresentação – trecho : “Histórias de casos de amor que se sufocam em suas próprias ranhuras – o não dito, o não percebido, o não sentido, o pulsar do gosto pelo crime, invariavelmente pelas mãos e poder de sedução de alguém com um sério transtorno de personalidade. Neste sentido, a literatura de Rafaella Elika é pouco afeita a concessões. De qualquer espécie.”