Por Lucas Ninno*
Ontem finalizei um trabalho para um cliente que, satisfeito, me perguntou: “como você aprendeu a fotografar?”. Suspiro. Primeiro porque o clichê de estar sempre aprendendo é verdadeiro. Segundo porque voltam memórias que aos poucos me fazem entender como a fotografia entrou na minha vida. E eu jamais teria conquistado as coisas que conquistei sem eles, meus mestres. Por isso vou publicar aqui ao longo dos próximos dias, um texto sobre cada um deles.
Pensa que sorte. Você está começando a fotografar e cai de estagiário no estúdio do melhor fotógrafo de Mato Grosso. Lembro até hoje da primeira conversa. Ele de óculos escuros me fazendo um monte de pergunta que eu não sabia responder. E eu com um portfólio que tinha sei lá, por-do-sol e umas flores? Mesmo assim ele decidiu me dar a chance. Botou uma lente 300mm na minha mão – vocês sabem o tamanho e peso disso?? – e pediu pra eu ajudar a fotografar o lançamento da campanha do Pedro Taques ao Senado. Eu voltei sem nenhuma foto que prestasse. Nenhumazinha. Me embananei com o tamanho da lente, as configurações de VR e a luz terrívelmente baixa do lugar. Tudo tremido. No outro dia eu estava completamente decepcionado, eu tinha perdido minha chance. Então ele me diz:
– É nego, não salvou nada. Mas é assim mesmo, relaxa! Uma vez o editor de um jornal rasgou todas as fotos que eu tinha feito na minha cara, disse que era lixo.
Atrás da marra tinha um cara generoso, de uma criatividade sem tamanho e com um lastro de experiência incrível. Lembro de ver os cromos do Zé, em médio formato, levá-los para a faculdade, esmiuçar aquela luz, as composições e depois ouvir as histórias. Como você chegou nessa foto? O Zé nunca me negou respostas. Ele me ligava 11 da noite dizendo:
– Nego, vai fazer o que amanhã cedo? Quer ir pro Pantanal?
– Puta que pariu Zé, porque não avisa antes?
– 5 da manhã tô passando aí.
Ele nunca avisava antes. Talvez assim provava o quão afim eu, moleque de 20 anos, estava. Foi assim que presenciei o nascimento de algumas fotos do seu livro “O Pantanal de José Medeiros”, sobre a vida do homem pantaneiro. Nessas viagens dirigi na lama, carreguei tripé, conheci o famoso Donato, que quer morrer como pantaneiro e acha comer alface uma bobagem. Conheci o menino Jackson, de um olhar tão potente que o transformava, nos breves segundos das fotos do Zé, em um vaqueiro velho e experiente assim como seus mestres. Medeiros é o cara que me mostrou o valor da terra e, principalmente, daqueles que pisam ela. Índios, fazendeiros, curandeiras e quilombolas. A mística de Mato Grosso, esse estado duríssimo e belo, é a coluna vertebral de seu trabalho.
Um belo dia eu estava no estúdio e lá vem o Zé espreitar algumas das minhas fotos enquanto eu editava, no computador:
– Nego, e essa foto aí? Volta, volta. Essa.
– Ah, são uns moleques jogando futebol depois da chuva lá na rua da minha vó. Mas eu gosto mais dessa aqui.
– Não, essa não. A foto é aquela que te mostrei. Inscreve ela num concurso.
Dito e feito. Eu não conseguia acreditar quando li o e-mail de que havia ganhado o segundo lugar na categoria esportes do POYi Latam – Pictures of The Year International Latinoamerica. Tava lá meu nomezinho ao lado de gente graúda como Alejandro Kirchuk, Mauricio Lima e Tomás Munita. A partir desse momento, muitas outras portas se abriram. Mas foi um tal de Zé que me deu as cópias de suas chaves e assim destranquei a primeira de tantas fechaduras.
Valeu Mestre.
Lucas Ninno tem 28 anos, é natural de Cuiabá, e começou a fotografar profissionalmente em 2010, trabalhando nos impressos Diário de Cuiabá e Circuito Mato Grosso. Em 2013 mudou-se para o Chile, onde colaborou como fotojornalista na centenária agência de notícias UPI - United Press International. Suas fotografias já foram premiadas em concursos como o Pictures of The Year International - Latinoamérica nos anos de 2011 e 2013 e o Lente Latino 2011, onde figurou como único brasileiro participante da exposição resultante, ocorrida no Museo Nacional de Bellas Artes, em Santiago. Participou também de exposições nacionais como a Exposição Coletiva dos Fotógrafos do Centro-Oeste, no Museu Nacional em Brasília, nos anos de 2013 e 2016, e internacionais, como a China 16th International Photographic Art Exhibition, em 2016, na cidade de Zhengzhou. Com um estilo de ]fotografia que transita entre o documental e o contemporâneo, Ninno tem a América Latina como residência, identidade e objeto de estudo.