Por Simone Ishizuka*

A Música Popular Brasileira é realmente fascinante! E não falo das corriqueiras canções de violão e barzinho e, sim, daquelas que te dão um tapa na cara com uma dose extra de realidade. As mesmas que te fazem soltar um ‘putz, que música foda!’ sem pensar muito bem o porquê. Tive isso muitas vezes, e todas foram bem marcantes, mas não tanto como foi com as obras de Sérgio Sampaio.

Cantor conhecido ironicamente como ‘Maldito do MPB’ e principalmente pelo hit ‘Eu quero é botar meu bloco na rua’, lançado na década de 1970, viveu em picos entre o hiato e o sucesso. Mesmo com todo talento invejável, morreu praticamente no ostracismo. Mas que para mim, sem dúvida, é um dos maiores nomes da Música Popular Brasileira.

Tive o primeiro contato com este artista maravilhoso no início de 2014, época que estava voltando para Cuiabá depois de um longo período em Porto Alegre. Nesta mudança, fiz conexão em Goiás e fiquei uns dias na casa de um amigo, o músico Diego de Moraes, quando ele me apresentou esse cara.

Entre um papo e outro, ‘Dieguito’ colocou alguns CDs para tocar, e entre eles estava ‘Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua’ (1973), primeiro álbum de Sérgio Sampaio. Logo de cara, algo me chamou a atenção. Um bolero misturado com blues e pinta de samba, nem sei definir muito bem, mas sabia que era muito bom.

Perguntei para ele de quem era aquelas músicas. Como bom historiador e professor que é, ele não se contentou em falar só o nome do artista, mas também toda a história dele.

4c8fc65ea94ffNascido em 13 de abril de 1947, Sérgio Moraes Sampaio veio ao mundo na cidade de Cachoerio de Itapemirim (ES). Desde muito novo teve contato com a música, através do pai, maestro de banda, e de um primo compositor de sucesso.

Era um rapaz ‘super família’, mas muito rebelde. Desde cedo escrevia sua revolta através da música e teve contato com as drogas (sejam elas ilícitas e lícitas) ainda muito jovem. Embora isso seja ruim, no meu ponto de vista – sem julgamento ou coisa qualquer -, creio que foi uma porta de inspiração para ele. Talvez uma tentativa de desviar um pouco das dores da vida, estas que ele teve em grande proporção durante muitos anos e em quase toda sua carreira musical.

Na adolescência, foi amigo do ‘rei’ Roberto Carlos. Mas todo contato com o já astro da música, não adiantou em nada para que houvesse uma parceria entre eles. Sampaio só teve destaque através do próprio talento.

Em uma entrevista, Sérgio contou que um dos seus maiores sonhos na época era ver Roberto Carlos cantar uma de suas músicas. No entanto, isso foi Negado (com N maiúsculo). Os motivos são desconhecidos, mas o pior foi saber que Roberto privou qualquer contato com Sérgio, uma vez que possivelmente o considerava doido demais para se ter algum tipo de aproximação. E como forma de ‘afogar as mágoas’, ele escreveu ‘Eu sou aquele que disse’, gravado no seu primeiro disco.

A letra, aparentemente, faz referência à música ‘Vá para o inferno’, de Roberto Carlos, um dos sucessos na época. E diz assim:

“Cante, converse comigo

Antes que eu cresça e apareça

Mesmo eu não estando em perigo

Quero que você me aqueça

Neste inverno, ou não

Neste inferno, ou não”

E por ironia do destino, Sampaio ‘cresceu e apareceu’. Com o lançamento do mesmo álbum, ele alcançou todas as paradas nacionais vendendo mais de meio milhão de cópias. Sendo o estrondoso sucesso, homônimo ao disco, um dos favoritos nos carnavais de rua.

A letra é leve, singela e tem seu peso poético absurdo. Em uma parte, Dieguito disse que pode ser alusão à cocaína, já que Sérgio era chegado em uma. Ela diz:

“Eu, por mim, queria isso e aquilo

Um quilo mais daquilo, um grilo menos disso

É disso que eu preciso ou não é nada disso

Eu quero é todo mundo nesse carnaval”

Se é, eu não sei. Mas parece…

Sérgio-Sampaio

Enfim, voltando ao lance das amizades. Na gravação do álbum de sucesso, Sampaio teve a ajuda de um grande amigo – diferente do que aconteceu com Roberto Carlos. Este, que o acompanhou em todo processo e produção do primeiro disco: nada mais e nada menos que Raul Seixas.

Eles eram tão amigos que Sérgio presenteou Raul com uma música. Chamada ‘Raulzito Seixas’, a última do disco só traça um pouco o perfil do “vindo da Bahia que veio modificar isso aqui”. Outra história interessante é que durante a gravação do álbum, o ‘Maluco Beleza’ pediu insistentemente para Sampaio gravar Viajei de Trem, ’a música nº 7 que teve também a sua participação’. Talvez no intuito da canção ser um tipo de ‘extensão’ de ‘Trem das 7’. Vai saber.

Parceiros e amigos inseparáveis, dizem as más línguas que foi Sampaio quem apresentou as drogas à Raulzito. Em uma entrevista, Raul revelou que quando se drogava com Sérgio, o amigo conseguia ser ainda mais ‘maluco’ que ele próprio. Difícil de acreditar, mas antes desta fase, o cantor de ‘Gita’ era casado, pai de família e se recusava a usar qualquer tipo de tóxico.  Careta mesmo! Mas, como sabemos, as coisas mudaram.

Concordo com Raul. Sampaio era um verdadeiro maluco, doido, maldito e desvairado. Tudo isso porque ele conseguia se expressar tão profundamente e de forma singular. A ponto de focar nas reflexões mais honestas da vida.

Gravou mais dois discos, ‘Tem que Acontecer’ (1976) e ‘Sinceramente’ (1982). Este último gravado de forma independente. Duas verdadeiras obras de arte! Assim como o primeiro, os discos trazem aquela bela dose de ironia sagaz e elegante, coisas que ele conseguia fazer com realeza.

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Apesar dos discos serem muito bons, não tiveram o mesmo êxito que o primeiro. Na verdade, foram um fracasso. Além do mais, com a vida desregrada e com a perda do amigo inseparável em 1989, Sérgio caiu no hiato durante muitos anos, até se reerguer novamente em 1992. Com a ajuda dos amigos como Elba Ramalho, Luiz Melodia, Roupa Nova, entre outros artistas, que regravaram suas músicas no início dos anos 90.

Estes eram os últimos suspiros da carreira de Sampaio, assim como a própria vida. Morreu no dia 15 de maio de 1994 de pancreatite, antes mesmo de concretizar o projeto tão almejado por ele e pelos fãs.

Ainda na conversa com Dieguito, percebi o quanto é triste saber que um gênio como ele não teve (ou têm) o reconhecimento que merece, mesmo depois de morto. Realmente ele deveria ter sido muito doido, não faço ideia das suas particularidades. Mas é inegável que a personalidade sensível deste grande artista soube levar multidões, mesmo que este público não faça ideia de quem ele foi.

Após a sua morte, em 2006, Zeca Baleiro produziu e lançou o CD póstumo com músicas inéditas, chamado ‘Cruel’, nome que retrata bem a vida do cantor. Animado, poético, com fortes doses de samba e choro, ao rock’n roll, blues e balada, o disco dá aquele mesmo ‘tapa na cara’ que disse no início do texto. E também seu único filho, João Sampaio, reuniu toda vida e obra do cantor no site Viva Sampaio. Um bom meio para conhecer ainda mais sobre o ‘maldito’.

Sem rimar amor com dor, Sampaio traçou perfeitamente sua poesia de forma única, brincando com a voz e jogo de palavras, passeando sem medo na mistura de ritmos nobres com populares. Muita gente não sabe, mas ele ainda tem muito a dizer às novas gerações, embora às vezes não seja compreendido. Mas eu, que conheço um pouco da sua obra, digo: vale a pena se perder e cair nesta ‘maldição’.

Vida longa ao maldito!

*Simone Ishizuka é jornalista, artista, gosta de desenhar e agora descobriu a cerâmica 

2 Comentários

  1. cara que saudade dessa musica, muito massa essa matéria, reviver esses caras geniais que a história oficial tenta apagar é muito legal, parabéns.

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