Por Glória Albues*

 Os outros: o melhor de mim sou eles.

                                   (Manoel de Barros)

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Matanaky Cyril e Wilson Desrosiers

A presença de haitianos nos mais diversos espaços da cidade começou a se tornar para mim, como para tantas outras pessoas que vivem em Cuiabá, um fato cotidiano. Eu os encontrava  principalmente em frente às casas de câmbio, onde com regularidade enviam parte dos minguados salários para suas famílias que  moram no Haiti. Em sua maioria são homens, entre vinte e quarenta anos, que deixaram seu país de origem em busca de trabalho e melhores condições de vida no Brasil.

A migração dos haitianos para nosso país é um processo que teve início em 2010, quando o Haiti foi devastado por um terremoto deixando centenas de milhares de mortos e mais de 3 milhões de pessoas desabrigadas. Antes mesmo do terremoto, a economia do país caribenho já estava devastada pela instabilidade política, que motivou, inclusive, a intervenção da ONU.

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Dafose

A maioria dos haitianos que vive em Cuiabá apresenta dificuldades com o português e deseja completar os estudos nas escolas brasileiras, atingindo as Universidades. São muitos os desempregados. Nem todos conseguem se inserir no mercado de trabalho e quando isso acontece, quase sempre preenchem subempregos. Tomei também conhecimento das instituições oficiais, organizações religiosas e organizações não-governamentais que os apoiam na área da educação, do abrigo residencial, na documentação e na inserção no campo de trabalho. Hoje há também ONGS criadas pelos próprios haitianos que buscam apoiar e dar suporte às atividades dos haitianos no Brasil.

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Asid Adult Man

Diante da situação, fiquei a me perguntar o que eu, enquanto artista e animadora cultural poderia fazer no sentido de contribuir para a inclusão social desse contingente populacional, que chega à Cuiabá de forma tão vulnerável e que aqui se instala sem que a maioria da população dela tome conhecimento? A questão da invisibilidade, dada a fragilidade social que acarreta, se torna um terreno fértil para toda forma de injustiça e violência, que termina não sendo vista nem punida na medida em que ela ocorre geralmente longe de nossos espaços de atuação e convivência. Esta palavra chave “convivência” me abriu as portas para refletir que aí estava o nó da questão que deveria ser desatado. Que melhor maneira de conhecer o “outro”, senão estar frente a frente com o “outro”? E neste caso, quem são os outros? Para nós cuiabanos, os outros são os haitianos mas para estes os outros somos nós, os cuiabanos. A partir dessa alteridade que implica numa ordem de igualdade  compartilhada poderíamos “começar pelo princípio” como diria nosso saudoso poeta Silva Freire. Afinal, estamos na mesma condição: cada um é o outro do outro. E aqui, a Arte surge como um instrumento poderoso ao criar  e aprofundar relações profícuas entre todos, na medida em que pode estabelecer vias de mão-dupla entre aqueles que se querem conhecer e ampliar  experiências através de suas diversidades culturais.

Acredito que a Arte se inscreve nesse sentido como uma embaixadora que articula a boa diplomacia, aquela que aproxima, aglutina, multiplica, torna plural o repertório de seu país ao considerar com igual valor expressões e/ou manifestações culturais distintas. 

Najeda Redon

O HAITI É AQUI

Partindo dessas reflexões, resolvi criar no facebook e no whatsapp, o Grupo O HAITI É AQUI (título inspirado na canção de Caetano Veloso) em novembro de 2015, hoje com 405 membros, com a proposta de estabelecer um link entre os artistas haitianos e cuiabanos, interessados em promover o intercâmbio e a inclusão de artistas haitianos, na cena cultural de nossa cidade. E a partir desse processo contribuir para a inclusão mais ampla da comunidade haitiana como um todo.

A adesão de vários artistas cuiabanos e de várias instituições à essa proposta foi animadora. Desde então, a presença de  artistas haitianos em  diversos eventos culturais em Cuiabá  comprovam que a semente caiu em campo fértil para o bom exercício democrático da cidadania, da solidariedade, do conhecimento recíproco, bases importantes para a criação de relações afetivas permanentes.

Danize Civil

MOSTRA PÚBLICA DE ARTE FOTOGRAFICA HAITI-NOVOS CUIABANOS

A Mostra Pública de Arte Fotográfica nasceu do desejo de trabalhar a inclusão visual dos haitianos na cidade de Cuiabá. De que maneira? Através da afixação de conjuntos de retratos, de grandes proporções ( 4,20 x 3,00mts ) nas cores preto e branco, de crianças, jovens e adultos haitianos em diferentes pontos das  cidades, utilizando como suportes espaços públicos e de casas particulares devidamente autorizadas. A Mostra, que  se caracteriza pela qualidade técnica e plástica das imagens captadas pelos olhares criativos dos fotógrafos participantes, tomou a si a iniciativa de “revelar” visualmente aos olhos da população a presença dessa população caribenha afro-descendente e ao fazê-lo contribuir para a inclusão social dessa população que hoje vive em Cuiabá. Encontramos uma recepção calorosa por parte de seis fotógrafos profissionais e amadores que se dispuseram a participar de forma voluntária, sem receber nenhum tipo de remuneração, alias condição esta que se estende também ao meu caso, enquanto organizadora e de todas as demais pessoas que participaram da produção, instalação e divulgação da Mostra.

Glória Albues, é diretora de teatro, roteirista e diretora de audiovisual, 
ativista cultural, dramaturga, escritora, co-criadora do movimento"O Haiti é aqui".

2 Comentários

  1. Gostaria de registrar os nomes dos participantes da equipe que não mediram esforços [para tornar possível a realização da Mostra Pública de Arte Fotográfica- Haiti Novos Cuiabanos.
    Fotógrafos: Rai Reis, Livia Viana, Ahmad Jarrad, José Cunto, Mari Gemma e Luzo Reis
    Curadoria: Aline Figueiredo
    Projeto de Montagem: Rai Reis e Paulo Crispin
    Coordenação de Produção: Estúdio Rai Reis
    Assessoria de Comunicação: Lidiane Barros
    Apoio: Dream Production / Organização de Suporte às atividades de Migrantes no Brasil- OSAMB / Casa Silva Freire.
    Patrocínio: CASA GUIMARÃES

  2. parabéns pela direção objetiva desse reclame social!!
    espero que essa idéia se firme e que possa também agregar nossas mazelas internas, que aliás, essa faz parte diretamente desse assunto, inserir pessoas numa sociedade que é desagregadora por natureza é difícil mas um trabalho digno! Parabéns!!!!!!!!!!!!

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