Larissa Campos
Burocracias me levaram até a loja de artigos fotográficos no centro da cidade. Era uma tarde comprida demais, chata demais, de compromissos intermináveis que me conduziam de um lugar a outro. Ainda faltavam dois.
No balcão, expliquei ao atendente o tipo de serviço que precisava. A pilha de documentos foi separada em porções menores. Três cópias de cada, por favor. Tirei um saco plástico da bolsa, mais papéis. Digitaliza esses aqui e envia por e-mail. O homem se afastou para cumprir a tarefa de posicionar folhas e apertar botões.
Nem vi quando o velho entrou na loja, não reparei. O celular me deixa desatenta, confesso. Sentada, eu tinha os olhos presos à tela do aparelho, em repouso no meu colo. A cabeça se levantaria assim que o atendente fizesse o comunicado: Tudo pronto, senhora.
Mas a súplica do velho me arrancou do celular, rapidamente guardado na bolsa. Nas mãos trêmulas, de veias roxas e saltadas, o senhor trazia uma foto amarelada, bastante deteriorada, que colocou sobre o balcão.
Cês restauram foto antiga? Preciso recuperar essa aqui. É a única imagem que restou da minha infância, dos meus tempos de guri. Não posso perder uma relíquia dessas.
A velhice estava entranhada nele, não era recente. O rapaz pegou a foto e a levou para o laboratório, usava luvas brancas. Voltou com o aguardado orçamento e o prazo para realização do serviço.
O cliente achou caro, disse nunca ter pensado gastar tanto numa foto, mas aceitou pagar. Também reclamou do prazo para entrega da restauração, julgou demorado, “ninguém entende o que são quinze dias na vida de um velho”.
Saímos da loja praticamente juntos. Eu entrei no carro, ele seguiu a pé. Pelo retrovisor, acompanhei a cadência de seus passos até o sumiço completo no virar da esquina. O homem caminhava rumo a apagamentos inevitáveis, mas lutava contra eles. Entendi a importância do retrato, a pressa na restauração.
Os dois compromissos burocráticos que me esperavam naquela tarde foram trocados por duas bolas de sorvete, numa espécie de afronta inconsciente à velhice que eu havia acabado de espreitar. Além do sorvete, eu usava aquela mudança de rota para saborear pequenas procrastinações, fingindo ter algum controle sobre a vida e sobre o tempo.
Larissa Campos é jornalista, escritora e podcaster. Vive em Cuiabá-MT.