Depois dos agitados anos de 1980, Cuiabá nunca mais foi a mesma! Ares urbanos infestavam a paisagem numa movimentação incomum para aquela Cuiabá de herança cultural secular, de uma elite influenciada pela cultura europeia e das apropriações das manifestações populares dos pobres que habitavam as beiras de seus fecundos rios.
Mas as ruas tremeram nos primórdios da década mais intensa da história cultural essencialmente urbana que eclodiu por aqui. Rock, movimentos libertários, punks, artistas performáticos, vídeo arte, poesia marginal, publicações livres como fanzines, discos independentes, festas com arte, arte com festa, foram marcantes e definitivos para o desenho de uma nova arquitetura para a cidade. Novas paisagens nas artes, na cidade, novos cenários a indagar os loucos anos 80 de inovação, rebeldia e transgressão cultural, novos transeuntes inauguravam o novo habitante dessa urbe em (trans)formação.
A Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) era ponto de encontros e de projetos que nasciam a borbulhar linguagens e modos de se comportar. Não por acaso proliferaram bares em seu entorno, ambiente efervescente movimentado por universitários oriundos de todo o Brasil. Pontos de encontros culturais surgiam dentro da própria universidade como Cineclube, ensaios de grupos no Parque Aquático, shows em todos os blocos, DCE vibrante, o Batatão (na Agronomia), o CCET, Restaurante Universitário.
Em algum momento cada um desses lugares passava a ser o centro num constante deslocamento pelo campus que se agitava por inteiro. Mas a região que fervia e onde todos orbitavam era o Instituto de Linguagens, não por acaso, inaugurada com uma performance do grupo Caximir e instalação de Wladimir Dias-Pino. Uma rapaziada que projetava uma nova realidade da cidade, que fazia arte e redesenhava a paisagem da cultura cuiabana.
Dentro da Universidade vários professores, principalmente do curso de Letras e História, de onde surgiu, da cadeira de Filosofia, uma figura que se destacava aos olhos com sua ousadia e liberdade com o corpo ultra contemporâneo (sim, o corpo fala, quando se veste, se movimenta, dança e encanta!), trazendo novos autores, instigando a moçada a ler e se conectar ao mundo contemporâneo, distribuindo conhecimentos e dando legitimidade para o discurso, a prática, o fazer poético, musical, performático, dando poder para a turma. Valderez Lucas do Amaral era a musa dos movimentos que envolviam Caximir, GTW, Clóvis Irigarai, Chico Amorim e o Grupo de Risco, BR 364 e vários outros.
A mestra outsider para quem o conhecimento é uma festa ofertava banquetes de fartura de filosofia, literatura, cultura underground, cultura pop, cultura urbana. Provava que Cuiabá estava na mesma sintonia do mundo, conectada a movimentos de comportamento e cultura urbana que se espalhava pelas grandes capitais. Sim, Cuiabá se abriu para esse diálogo interconectado com o planeta. Com a explosão da Internet nos anos de 1990, a cidade já estava antenada e gerou movimentos para fora daqui, exportando talentos pra todo lado.
Cuiabá hoje é uma cidade multicultural, que tem manifestações típicas das metrópoles planetárias. Nova Iorque é aqui, Berlim é aqui, Paris… nada de colonialismo, não existe distância entre nós, é necessário descolonizar pensamentos e que as pessoas possam assumir seu lugar na aldeia dos humanos, global, interconectada e plural.
Valderez tinha uma influência muito grande sobre a rapaziada, tinha o poder de legitimar esses movimentos culturais que inauguravam cenários na capital centenária. Outros professores que vinham de fora, encontravam ambiente fértil para rupturas com a ordem estabelecida.
Um mestre não se faz apenas no âmbito físico da Universidade. Um mestre se faz no convívio, nos compartilhamentos do dia a dia, trocando informações, criando, pensando junto, contribuindo para sua realização e principalmente pela leitura de mundo e percepção de que a cultura é dinâmica, e se espalha como grama a fecundar outros horizontes.
Ela sempre acompanhou os shows de rock, as festas multiculturais, distribuía livros incríveis de autores desconhecidos e de acesso complicado, criava e produzia fanzines com o grupo BR 364, fez filmes independentes, como atriz como produtora, como agitadora cultural. Foi uma presença ímpar naquele momento que redesenhou a cara da cidade. Um momento protometrópole a apontar aventuras num futuro que se impunha.
Professora Valderez e o José Curvo são um casal que estar na presença deles..renova o espírito e anilina arte, educação e vida..Amo esses dois!!
Como foi bom ler este texto e conhecer a realidade cultural de Mato Grosso dos anos de 1980 e 90. E ter a professora Valderez como mentora de atividades culturais deve ter sido muito gratificante para os jovens de Cuiabá.
Os loucos anos 80 e seus protagonistas. Evoe Valderz, musa de todos os loucos pela arte, pela cultura e pela filosofia. Quantas festas regadas a conhecimento distribuidos generosamente. Fiz parte dessa geração e acumulei amigos para a vida.
Fui agraciada com as performances, sim suas aulas podem ser assim traduzidas, da mestra Valderes!! Suas aulas eram um deleite para todos e mas,para uma ainda adolescente pantaneira ,embevecida num ambiente pulsante,impar…as rampas,as salas,os centros acadêmicos CAHIS,CALET…O entorno com as cores e desenhos ousados de Adir Sodré…da poesia de Antônio Sodré…das aulas de francês da s professoras Suca e Therese…As festas! Os debates! As greves…as articulações no Money Money…O festival de cinema…Tetê Espíndola e Arrigo Barnabé…Bene Fontelles …Viva a Geração 80,90!!
Valderez desde que nasceu é atual, e sempre será. É bom demais relembrar os anos 80
que se impõe…
mulher incrível!