O onírico de Manoel de Barros contrastando com as capturas do fotógrafo Vinicius Appolari que registrou o combate das queimadas no Pantanal.
Organizado por Leonardo Afonso Roberto
…
Para entrar em estado de árvore é preciso partir de
um torpor animal de lagarto às três horas da tarde,
no mês de agosto.
Em dois anos a inércia e o mato vão crescer em
nossa boca.
Sofreremos alguma decomposição lírica até o mato
sair na voz.
Hoje eu desenho o cheiro das árvores
Coisas Mansas
Coisas mansas, de sela, andavam por
ali bebendo água…
Ventava
sobre azáleas
e municípios.
Ventinho de pelo!
Monto nele e vou
experimentando a manhã nos galos…
Ó este frescor! Como um afluente
de tua boca
“Quando as aves falam com as pedras e as rãs com as águas – é de poesia que estão falando.”
…
Rosto seco
e seco
de ventos…
Espinheiro seco
e duro.
Roseira no muro seco de feno
queimando-se,
queimando-se,
na terra …
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Ó branco ombro de minha casa antiga!
quanto desejo de amar,
de fugir,
de padecer,
de pedra ser, que me dava
nas tardes da fazenda!
quanto desejo de chuvas
e de rebrotos
e de renovos
e de ombros nus
e de amoras
obre as raízes descoberto
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Depois eu saía correndo pelos caminhos molhados.
Havia um frescor de musgos na boca da terra.
Trecho de seis ou treze coisas que eu aprendi sozinho
4.
Tem quatro teorias de árvore que eu conheço.
Primeira: que arbusto de monturo aguenta mais formiga
Segunda: que uma planta de borra produz frutos ardentes.
Terceira: nas plantas que vingam por rachaduras lavra
um poder mais lúbrico de antros.
Quarta: que há nas árvores avulsas uma assimilação maior de horizontes.
Borboletas
Borboletas me convidaram a elas.
O privilégio insetal de ser uma borboleta me atraiu.
Por certo eu iria ter uma visão diferente dos homens e das coisas.
Eu imaginava que o mundo visto de uma borboleta seria, com certeza,
um mundo livre aos poemas.
Daquele ponto de vista:
Vi que as árvores são mais competentes em auroras do que os homens.
Vi que as tardes são mais aproveitadas pelas garças do que pelos homens.
Vi que as águas têm mais qualidade para a paz do que os homens.
Vi que as andorinhas sabem mais das chuvas do que os cientistas.
Poderia narrar muitas coisas ainda que pude ver do ponto de vista de
uma borboleta.
Ali até o meu fascínio era azul.
VI – Desde o começo do mundo água e chão se amam
Desde o começo do mundo água e chão se amam
e se entram amorosamente
e se fecundam.
Nascem peixes para habitar os rios.
E nascem pássaros pra habitar as árvores.
As águas ainda ajudam na formação dos caracóis e das
suas lesmas.
As águas são a epifania da criação.
Agora eu penso nas águas do Pantanal.
Penso nos rios infantis que ainda procuram declives
para escorrer.
Porque as águas deste lugar ainda são espraiadas para
alegria das garças.
Aprendo com as abelhas do que com aeroplanos.
É um olhar para baixo que eu nasci tendo.
É um olhar para o ser menor, para o
insignificante que eu me criei tendo.
O ser que na sociedade é chutado como uma
barata – cresce de importância para o meu
olho.
Ainda não entendi por que herdei esse olhar
para baixo.
Sempre imagino que venha de ancestralidades
machucadas.
Fui criado no mato e aprendi a gostar das
coisinhas do chão –
Antes que das coisas celestiais
Pessoas pertencidas de abandono me comovem:
tanto quando as soberbas coisas ínfimas.
Na fazenda
Barulhinho vermelho de cajus
e o riacho passando
nos fundos de quintal…
Dali
se escutavam os ventos com a boca
como um dia ser árvore.
Eu era lutador de jacaré.
As árvores falavam.
Bugre Teotônio bebia marandovás.
Víamos por toda parte cabelos misgalhadinhos
de borboletas…
Abriu-se
uma pedra
certa vez:
os musgos
eram frescos…
As plantas
me ensinavam o chão
Fui aprendendo com o corpo
Hoje sofro de gorjeios
nos lugares puídos de mim.
Sofro de árvores.
Trecho de ‘Olhos parados’
…
Que coisa maravilhosa, exclamar. Que mundo
maravilhoso, exclamar.
Como tudo é tão belo e tão cheio de encantos!
Olhar para todos os lados, olhar para as coisas mais pequenas,
E descobrir em todas uma razão de beleza.
Agradecer a Deus, que a gente ainda não sabe
amar direito,
A harmonia que a gente sente, vê e ouve.
A beleza que a gente vê saindo das rosas; a dor
saindo das feridas.
Agradecer tanta coisa que a gente não pode acreditar
que esteja acontecendo.
A Organização Não-Governamental estadunidense ‘Climb for Conservation Inc’ criou uma campanha de doação para formar um fundo de ajuda ao Pantanal. O objetivo é arrecadar R$30mil, até então, já foram arrecadados 20R$mil. Para ajudar, acesse Pantanal Relief Fund.
Fontes:
Meu quintal é maior que o mundo
Gramática Expositiva do Chão
O menino do mato
Ensaios Fotográficos
[…] Pantanal registrou o segundo maior número de queimadas da história neste mês de agosto, desde o início […]