Por Paulo de Tarso*
Naquela manhã tudo estava caminhando para que o bairro de Vila Isabel tivesse mais um dia de trabalho que com certeza o tempo engoliria na história. A normalidade de seus habitantes contrastava com as ações rápidas na casa de Manoel Medeiros Rosa, gerente de camisaria e da professora Marta de Azevedo, pois estava nascendo Noel Medeiros Rosa, o grande “Poeta da Vila“.
Noel nasceu no bairro de Vila Isabel, no Rio de Janeiro, tornando-se mais tarde o mais conhecido compositor brasileiro.
Parto difícil naquele dia 11 de dezembro de 1910 – até o sol insistia em não sair. Logo em seu nascimento o poeta maior teve uma fratura e afundamento do maxilar provocado pelo fórceps, além de uma pequena paralisia em sua face direita, que o deixou desfigurado para o resto da vida, apesar de diversas cirurgias sofridas aos seis anos e também aos doze anos de idade.
Seu pai muda o rumo das coisas e vai trabalhar de agrimensor numa fazenda de café. Sua mãe abre uma escola dentro de sua própria casa. Com isso passam a sustentar os dois filhos, Noel e Hélio, o mais novo, nascido em 1914.
Noel foi alfabetizado por sua mãe. Matriculado no Colégio Maissonete quando tinha treze anos, mais tarde foi estudar no Colégio São Bento onde permaneceu até o ano de 1928, recebendo de forma muito amistosa de seus colegas o apelido de “Queixinho “.
Teve precocemente grandes paixões por mulheres que alias se tornaram musas de alguns de seus memoráveis sambas, como no caso de Ceci, dançarina de um cabaré da Lapa, para ela compôs “ Dança do Cabaré “, “ Ultimo desejo “ e “ Conversa de Botequim “
Jovem ainda casou-se com Lindaura, em dezembro de 1934. Na verdade, o casamento ocorreu por pressão da mãe da moça, pois, Lindaura tinha apenas 13 anos, dez a menos que nosso Poeta da Vila. Casamento esse que teve momentos de grande apreensão, pois Lindaura perdeu seu filho. Esta união em nada fez Noel mudar seus hábitos boêmios, que contribuiriam para acabar com a frágil saúde do poeta.
Pois foi no ano de 1935, que Noel soube que estava com seus dois pulmões já muito comprometidos, então viajou para Belo Horizonte, onde se hospedou na casa de uma tia. Porém, o tratamento durou poucos dias, pois o compositor logo começou a frequentar os bares e o meio artístico da cidade, apresentando-se em cabarés e na Radio Mineira. Ainda em Minas, em maio deste mesmo ano, recebeu uma noticia que o deixou totalmente sem chão, seu pai Manoel Medeiros Rosa se enforcara em uma casa de saúde onde estava internado para tratamento de saúde mental.
Nosso Noel apresentando melhoras em seu estado de saúde, em janeiro de 1936, retornou ao Rio de janeiro bastante adoentado. Por sugestão de amigos e familiares, foi passar um tempo em Barra do Pirai em abril deste mesmo em busca de repouso para tentar curar a tuberculose. Em uma de suas visitas a uma represa de Ribeirão das Lages sofre uma grave crise de Hemoptise e seu médico que o atendia advertiu que não haveria recursos para tratá-lo naquela cidade. Na manhã de 02 de maio, voltou ao rio de Janeiro com sua esposa Lindaura, às pressas, seu estado de saúde era muito grave, e nosso poeta não conseguiu se recuperar, mas deu tempo de receber alguns amigos, em especial Marilia Batista e Orestes Barbosa.
Três apitos – Maria Bethania canta Noel
Morreu cercado de festa na noite do dia 4 de maio, enquanto em frente à sua casa se comemorava o aniversario de uma vizinha numa festa em que tocavam suas músicas. Muitas versões sobre sua morte foram publicadas em diferentes biografias, até de ataque cardíaco houve comentários. Em seu enterro toda a fina flor do samba, artistas e intelectuais, se fizeram presentes. Á beira de seu tumulo o grande Ary Barroso fez um discurso emocionado, homenageando o amigo e parceiro.
Passados alguns anos de sua morte, seu nome ficou esquecido durante quase uma década (40), até que Aracy de Almeida, em 1952, passou a cantar suas obras na famosa Boate Vogue, mostrando sambas inéditos dele e de seu repertório. Desde ai, o compositor foi redescoberto e passou a ser referencia em termos de musica popular. Sua Vila Isabel também prestou justa homenagem ao “Poeta da Vila“ quando inaugurou um monumento no Cemitério São Francisco Xavier, onde o compositor foi sepultado, em comemoração ao cinquentenário de seu falecimento.
Fita amarela – Noel Rosa
Em 1967, mais uma grande homenagem ao “Poeta da Vila“ – O museu de Imagem e do Som do Rio de Janeiro“ que acabava de lançar um lindo álbum com musicas de Noel “Noel Rosa por Noel Rosa“, com o compositor cantando suas obras, fez também uma grande homenagem ao “Poeta da Vila“ em seus 30 anos de morte, inaugurando uma exposição comemorativa e juntando os amigos remanescentes em gravação histórica conduzida por Ricardo Cravo Albin em 4 de maio daquele ano.
Noel se foi, sua obra não! Cavacos, pandeiros, tamborins, surdos, e o mundo do samba jamais se calaram. O poeta da Vila não deixa!!
*Paulo de Tarso é jornalista, radialista, pesquisador e produtor musical, e palmeirense até debaixo da garoa.