Por Luiz Renato de Souza Pinto*
Desde criança gosto muito de quantificar as coisas. Ao longo da vida fui contando o que fazia, o que havia por vir, o que fora feito. Contava os dias que faltavam para alguma coisa acontecer, os dias sem fumar, e assim pela vida a fora. Eduardo Ferreira sempre me chamou a atenção para esse fato. Quando viajo contabilizo as cidades por que passo, os dias que permaneço em cada uma e busco transformar em texto essas e outras informações.
Criei uma genealogia para um personagem a fim de fechar a trilogia iniciada em 1998 com a publicação de “Matrinchã do Teles Pires”. Em 2014 veio o “Flor do Ingá” e agora, em 2018 o projeto se completa com “Xibio”. Neste último falo de nordestinos que aventuram pelos diamantes de Mato Grosso e Goiás. Meu personagem nasce em Ouricuri, sertão de Pernambuco, mas sua ascendência é maranhense, para que possa falar de São Luís e de Alcântara no período imperial.
Ao longo desse período, desenvolvi atividades em seis estados da região, com destaque para a Bahia, Pernambuco e Ceará, mas com passagens também pela Paraíba, Maranhão e Piauí. Não pisei em solo alagoano, sergipano, nem potiguar. Nas próximas semanas falarei um pouco sobre os passeios na Bahia – Juazeiro e Curaçá, nesta última participei de uma procissão a São Benedito e da marujada – procissão fluvial que desce um trecho do rio São Francisco; Pernambuco – Petrolina, Afogados da Ingazeira, São José do Egito e Ouricuri e Ceará – mais uma vez na lendária cidade do Crato, Juazeiro do Norte, Iguatu, Icó, Orós e Nova Olinda, terra de Espedito Seleiro, o mago que faz no couro o que a imaginação permitir.
Por baixo de cada ponte que passei sequer uma gota de água foi avistada. O ciclo da seca vai se fechando, e o povo vai sendo castigado pela penúria da falta desse artigo de primeira necessidade. Em março estarei de volta. Irei novamente ao Crato e Juazeiro, no Ceará, como também a Ouricuri em Pernambuco, para o lançamento nacional do novo romance. O que era para ser apenas uma pesquisa documental passou a ser um projeto de vida. O de conhecer a alegria e força de uma cultura sólida, capaz de resistir a um sem número de intempéries.
Que venham mais viagens. No coração há espaço de sobra para me apaixonar por todo o nordeste de nosso país. Ao sul do corpo, a planta dos pés me sustenta em pé. Ao norte, a cabeça comanda o esqueleto ainda ágil. A oeste, o lado direito me pede razão e juízo perfeito, mas é a nordeste, do lado do coração, que a emoção toma conta e vai me dando a direção a seguir. Dayane Rocha, da cidade de Brejinho da Tabira, em seu poema “Amor Profano”, diz que:
Nosso cheiro ficou em nossa palma
Nosso carro de amor é tão sem freio
Que até quando ele pega no meu seio
Sinto até mais segura a minha alma.
Quem quiser me amar tem que ter calma
E ter o coração fortificado
Porque eu vou tirar o atrasado
Por ter me adiantado no andor.
“Amor santo demais é sem sabor
O gostoso é com gosto de pecado”.
Pois eu digo que:
Se o amor é profano pra você
Tem o gosto azulado da manhã
Mais parece adorado como o quê
Feito a um doce atirado pra cunhã
Curumim tão saudoso e cunhatã
Desejosos de si tão à vontade
Se comeram ao sabor dessa vaidade
E hoje vivem debaixo de uma cruz
De pagão a ateu, e ao Bom Jesus
Um caminho repleto de saudade.
*Luiz Renato é professor, poeta, escritor e ator.