Por Luiz Renato de Souza Pinto*

Desde criança gosto muito de quantificar as coisas. Ao longo da vida fui contando o que fazia, o que havia por vir, o que fora feito. Contava os dias que faltavam para alguma coisa acontecer, os dias sem fumar, e assim pela vida a fora. Eduardo Ferreira sempre me chamou a atenção para esse fato. Quando viajo contabilizo as cidades por que passo, os dias que permaneço em cada uma e busco transformar em texto essas e outras informações.

Nestas últimas férias não foi diferente. Enquanto o professor descansa, o escritor e o pesquisador entram em ação. Segui o trecho nordestino, iniciado em janeiro de 2015 para continuar tendo histórias para contar, para transformar em poemas, ou mesmo em romance. Foram vinte e três dias de estrada, passando por doze cidades de três estados do Brasil. Nos últimos três anos foram quatorze ou quinze viagens ao Nordeste, passando por dezenas de cidades para pesquisar a cultura popular, conhecer logradouros diferentes, desvendar surpresas.

Criei uma genealogia para um personagem a fim de fechar a trilogia iniciada em 1998 com a publicação de “Matrinchã do Teles Pires”. Em 2014 veio o “Flor do Ingá” e agora, em 2018 o projeto se completa com “Xibio”. Neste último falo de nordestinos que aventuram pelos diamantes de Mato Grosso e Goiás. Meu personagem nasce em Ouricuri, sertão de Pernambuco, mas sua ascendência é maranhense, para que possa falar de São Luís e de Alcântara no período imperial.

Juazeiro do Norte

Ao longo desse período, desenvolvi atividades em seis estados da região, com destaque para a Bahia, Pernambuco e Ceará, mas com passagens também pela Paraíba, Maranhão e Piauí. Não pisei em solo alagoano, sergipano, nem potiguar. Nas próximas semanas falarei um pouco sobre os passeios na Bahia – Juazeiro e Curaçá, nesta última participei de uma procissão a São Benedito e da marujada – procissão fluvial que desce um trecho do rio São Francisco; Pernambuco – Petrolina, Afogados da Ingazeira, São José do Egito e Ouricuri e Ceará – mais uma vez na lendária cidade do Crato, Juazeiro do Norte, Iguatu, Icó, Orós e Nova Olinda, terra de Espedito Seleiro, o mago que faz no couro o que a imaginação permitir.

Por baixo de cada ponte que passei sequer uma gota de água foi avistada. O ciclo da seca vai se fechando, e o povo vai sendo castigado pela penúria da falta desse artigo  de primeira necessidade. Em março estarei de volta. Irei novamente ao Crato e Juazeiro, no Ceará, como também a Ouricuri em Pernambuco, para o lançamento nacional do novo romance. O que era para ser apenas uma pesquisa documental passou a ser um projeto de vida. O de conhecer a alegria e força de uma cultura sólida, capaz de resistir a um sem número de intempéries.

Foto de Luis Leite

Que venham mais viagens. No coração há espaço de sobra para me apaixonar por todo o nordeste de nosso país. Ao sul do corpo, a planta dos pés me sustenta em pé. Ao norte, a cabeça comanda o esqueleto ainda ágil. A oeste, o lado direito me pede razão e juízo perfeito, mas é a nordeste, do lado do coração, que a emoção toma conta e vai me dando a direção a seguir. Dayane Rocha, da cidade de Brejinho da Tabira, em seu poema “Amor Profano”, diz que:

Nosso cheiro ficou em nossa palma
Nosso carro de amor é tão sem freio
Que até quando ele pega no meu seio
Sinto até mais segura a minha alma.
Quem quiser me amar tem que ter calma
E ter o coração fortificado
Porque eu vou tirar o atrasado
Por ter me adiantado no andor.
“Amor santo demais é sem sabor
O gostoso é com gosto de pecado”.

Pois eu digo que:

Se o amor é profano pra você
Tem o gosto azulado da manhã
Mais parece adorado como o quê
Feito a um doce atirado pra cunhã
Curumim tão saudoso e cunhatã
Desejosos de si tão à vontade
Se comeram ao sabor dessa vaidade
E hoje vivem debaixo de uma cruz
De pagão a ateu, e ao Bom Jesus
Um caminho repleto de saudade.

 

*Luiz Renato é professor, poeta, escritor e ator.
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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

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