fauno guazina*

Ninguém nunca me disse que não podia, por isso ia lá, sonhava e fazia. Eu tenho esse privilégio, nasci assim, homem e branco. Um dia, do alto da torre fálica de marfim Carrara do patriarcado capitalista, eu descambei pelas escadarias da sexualidade. Masculinidade e ossos quebrados, meu corpo, ali estirado, era só mais um viado.

Fui salvo por aqueles que meu privilégio me cegara para ver, fui salvo pelo que sempre fora a maioria das pessoas, gente bem simples, gente bem comum, umas boas, uns maus, muitos tontos também. Dentre eles eu vivo, com eles eu irmano, com eles me familiarizo, com estes que atendem pelo nome de minorias.

Nosso grito é surdo e abafado, nosso tempo é onde e não quando, nosso sonho não cessa, sonhamos juntos e bem acordados. Trabalhamos pela utopia e vivemos cada dia plantando as sementes dos que virão amanha, pois o mundo não acaba em nossa porta nem no final da rua, o mundo não acaba num muro.

Minha gente sente que nosso protesto é julgado como errado, afinal descendemos dos desgarrados. No alto daquela torre, seus apoiadores ecoam métricas, rimas, e muita dor, padrões rígidos com poucos lados, como se todos fossemos um, mas nós somos muitos e de várias formas e cores e de muitos lugares.

Nosso rumor estrala em paredes e muros, em cartas abertas, em manifestos, marchinhas e ruas. Mas o patriarcado capitalista quer nos silenciar, pasteurizar, acinzentar, o que só mostra como nossas mensagens são importantes e mais necessárias. Minimizar a voz do oprimido é a técnica mais antiga de opressão.

Toda minha gente não aceita ser silenciada e no carnaval nosso grito toma as ruas como um período de menor censura e mais prazer, mas quando passar a quarta-feira de cinzas, a rebelião volta aos antros de onde a sociedade espera que ela fique, daí nosso protesto se faz fundamental.

Nosso grito ecoa na escuridão e faz com que a opressão sobre cada um dos nossos seja revelada, isso traz a tona os monstros da opressão e levanta a voz de outros que nos apoiarão. Jamais engolir quieto, seja a dor revelada no grito, ou o prazer no gemido.

 

*fauno guazina é produtor cultural, designer e professor universitário.

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