Um momento aqui, outro ali e o fio do novelo da memória vai tecendo as histórias que ficam. Lembro até hoje da surpresa boa que foi descobrir a relação de amor com a música e a arte da Estela Ceregatti. O lançamento do seu novo filho, como ela mesma diz, o disco “AR” revolveu lembranças em mim que até então não sabia que estavam ali.
Tinha em mente a cena clara de uma apresentação em que Estela deu vida às castanholas e eu pensei: que incrível, esse som vibrante, essa potência toda, como os cascos de cavalos que correm a bater no chão. Acompanhada de músicos de alta qualidade, ela conta um pouco aqui e ali sobre as canções que estão no álbum e divide a sua experiência de vida em forma de arte.
Projeções no fundo do palco remetem aos elementos da natureza, ao ar que respiramos, às gotas de água que caem do céu, à terra, ao fruto, ao broto, ao nascer, viver e morrer. Não é só a sua vida e os seus pedaços de memória: ela entoa em manifesto uma música sobre Belo Monte, sobre gente como a gente, na beira do rio, feitos de carne, osso, barro e água.
Essa crítica vem certeira, pesada, os rostos dos povos indígenas para não esquecermos do genocídio contra a nossa própria gente. O Brasil contra o Brasil.
Mas ela também é amor e dança pelo palco. Nomeia quem participou de todo o processo até aquela noite, até o parto. É do amor entre Estela e Jhon Stuart que nasce música, arte, cumplicidade e Joana.
Uma tarde de chuva. O sentimento de nostalgia. Ela chora ao lembrar sabe lá do quê, a criança lhe aparece risonha e vira música. Duas semanas depois ela descobre que estava grávida e sabe que o deja vu era o rosto da filha que viria.
Canta música brasileira dos parceiros que encontra pelos caminhos da vida e fala da riqueza da nossa produção autoral. Das parcerias. E como é importante essas conexões que levam a música para frente, para todos os cantos de um país com dimensões continentais. Naquela noite eu só reforcei a certeza de que a música brasileira é infinita em sua diversidade. Estela fala sobre a indústria cultural, os produtos fabricados para serem distribuídos em massa e que tantas vezes estão à uma distância incomensurável dos corações, da essência de quem resolve colocar para fora sua inquietação em forma de arte.
Então as castanholas aparecem e me elevam para outra esfera, viajo pelos tempos e lembro daquela primeira apresentação, do primeiro momento que a vi batendo as mãos com força e delicadeza. Ao final ela batuca e parece entrar em transe. Seu vestido é feito com pedaços de outros figurinos com os quais se apresentou. Ela está descalça, penso na magia e na força daquele momento. A música a incorpora e ela é AR.
O disco: AR é o primeiro disco solo da cantora e compositora cuiabana Estela Ceregatti – em quinze anos de carreira. É um trabalho de grande relevância para a artista, que já lançou outros três discos com grupos locais. O disco foi concebido como um verdadeiro filho, gestado com muita calma e zelo, através do típico olhar de Estela sobre os detalhes ao seu redor e a reflexão sobre o mundo em constante transformação, assim como ela. As músicas foram escolhidas a dedo, e retratam fases diversas de sua trajetória como compositora, aliadas a sua constante pesquisa pelo desvendar dos sons na construção dos
arranjos e também à beleza das palavras. Além de suas composições, o disco traz parcerias de músicos locais e uma canção dos músicos baianos Achiles Neto e Marcus Marinho. Conta também com a direção musical de Jhon Stuart e criação de arranjos dele em parceria com Estela.
O show de lançamento: O show de lançamento do disco AR foi gerado cuidadosamente, através da contribuição de grandes artistas locais. Tem direção artística de Estela Ceregatti, direção musical de Jhon Stuart, iluminação de Lourivaldo Rodrigues, Cenografia de Luna Diniz e Projeções de Imagens (mapping) de Juliana Segóvia e Neriely Dantas. Dentre os músicos participantes, o show contou com a ilustre presença do renomado acordeonista Gabriel Levy (SP). Além dele, Juliane Grisólia na percussão, Joelson Conceição no violão, Leonnid Peniago na flauta transversal, Jhon Stuart no contrabaixo e piano e Helen Carvalho no violoncello.