Por Luiz Renato de Souza Pinto*
Para inventar histórias e colocá-las em livro, ganho dinheiro. Para inventar histórias e contá-las a um psicanalista, preciso pagar (TRIDAPALLI, 2014, p. 126).
Como qualquer outro conceito forjado pela crítica, este, literatura experimental, também é arbitrário, uma vez que sugere uma abordagem válida, embora ligada a uma visão estética e doutrinária dentro do cabedal da teoria literária. Carlos Heitor Cony, um dos ícones da produção literária brasileira, quer do ponto de vista ficcional, quer crítico, declarou certa vez que perde a oportunidade de conhecer novos autores por não arriscar ler determinada obra sem a certeza de que iria gostar, o que faria com que sua preferência orbitasse em torno de um clássico, – certeza de que não se arrependeria.
Tridapalli faz uso de referências metalinguísticas o tempo todo. Quando me refiro à sua obra como experimental, no campo da linguagem, quero dizer da riqueza de intertextualidades, do inusitado de algumas situações de contexto e do que há de mais interessante em ficção (pelo menos é o que eu acho e considero), que é o estranhamento. Se para o cânone há uma sacralização do texto, o que muitas vezes transforma a criatividade em sisudez, em pequena biografia de desejos e O Beijo de Schiller observamos certa leveza na costura sem perdas de intensidade e vibração na tessitura do texto. A metalinguagem se faz presente de maneira a demarcar todo um tráfego de influências que provavelmente vem da leitura e conhecimento de obras ao sabor acadêmico que se misturam ao doce sabor da experimentação estética. Tridapalli me parece um hermeneuta em busca de seu lugar ao sol. E brinca com os raios da aurora que atravessam o dia espalhando claridade e luz para as sombras de suas criações estéticas.
Em seu segundo romance, a animização de uma rua ganha contornos de protagonismo exemplar. Um sequestro atípico que me lembrou do clássico filme de Almodóvar Ata-me, em que um sequestrador e sua sequestrada vivem um caso amoroso entre quatro paredes, ganha contornos fantásticos em que o trilher policialesco parece mesclar-se a elementos insólitos capazes de provocar no leitor uma insuspeitada desconfiança de que a obra se sustente pelas quase trezentas páginas. Mas ele o faz! A criatividade, marca desse escritor que comprova com sua escritura que talento é uma questão de atitude para com a escrita. Mas agora não consigo deixar de pensar em Vitória April e as delícias da película do espanhol.
Vejo certo minimalismo nas construções sintáticas, no desenvolvimento das ideias e de seu ponto de equilíbrio. Cezar parece distrair-se com pequenas coisas que transforma em deleitosas preparações para golpes certeiros que o teclado de seu computador registra. E ainda por cima nos joga na cara coisas que caberiam bem em tratados sobre uma cultura pós-contemporânea, como no fragmento abaixo:
Eles colocaram a cultura, a arte como um dos alicerces básicos da civilização. Pra você ter uma ideia, um dos maiores orçamentos italianos é destinado ao Ministério da Cultura deles. Quando que a gente vai imaginar isso aqui no Brasil, Desidério? É Certo que também eles precisam investir nisso por ser o turismo uma das principais fontes de renda (TRIDAPALLI, 2011, p. 119).
Há quadros e mais quadros em suas obras. Pinturas que descrevem situações inusitadas que alimentam a boa literatura liberam a imaginação do leitor em busca de seu próprio mundo. Enquanto houver livros e a cadeia produtiva do setor for alimentada pelo interesse em desvendar o que se pode ser pensado haverá espaço para acreditarmos em um mundo melhor. Nem que seja nas páginas internas de um bom romance que nos entretenha entre um pagamento vencido e o próximo salário. Ainda bem que as livrarias não vivem sem o cartão de crédito. Tridapalli e Carol Bensimon estarão comigo no próximo dia 20/06 em bate papo no IFMT (15 horas) e na UFMT (19 horas) pelo projeto Arte da Palavra, do Serviço Social do Comércio. E nem é preciso pagar para ver e ouvi-los, é só chegar!
REFERÊNCIAS
TRIDAPALLI, Cezar. pequena biografia de desejos. Rio de Janeiro: 7LETRAS, 2011.
________________. O Beijo de Schiller. Curitiba: Arte & Letra, 2014.
*Luiz Renato de Souza Pinto, poeta, escritor, leitor, ator, professor, e...botafoguense.
e critico de literatura de envergadura, ai ai botafoguense ein…