Por Yasmin Nobre
Ando muito pensativa sobre a nossa condição de confinamento.
Penso principalmente na condição das mulheres, condição de confinada duplamente.
Meu texto hoje é para lembrar as mulheres, casadas, mães, entre outras, que percebem essas encruzilhadas de opressão, que o isolamento não pode ser usado para nos sufocar e enfiar “goela abaixo” as horrendas raízes do patriarcado. Os homens historicamente são poupados dos afazeres domésticos em prol de suas carreiras e estudos e isso os coloca constantemente em vantagem na sociedade. Enquanto as mulheres devem se virar para gerir o tempo entre casa, serviço, filho e estudo… Como sobreviver assim? Na pandemia os trabalhos das mulheres se misturam em todas as dimensões, como manter o equilíbrio? Há muitos anos lançam revistas e mais revistas ensinando a “tornar-se” uma mulher, protocolos e mais protocolos de como ser uma boa esposa, mãe.
As mulheres sempre tiveram a labuta da jornada dupla, são educadas e sentenciadas socialmente para administrarem o lar e seus demais trabalhos. A pandemia condenou as mulheres exclusivamente ao âmbito privado novamente e este é um lugar velho conhecido do “tornar-se mulher”. Ao longo dos anos lutamos por uma liberdade, que de acordo com a cor, o gênero e a classe social nos colocam pautas distintas de emancipação.
Mas o confinar-se, revela a dura realidade de exploração vinculada ao sexo feminino.
A labuta da jornada dupla inseparável e interminável entrelaça a alma que se julgava livre.
Percebemos então que as mulheres se veem responsabilizadas quase que exclusivamente por seu lar.
E essa ausência de responsabilidade por parte de seus companheiros e filhos, reflete em um processo de sufocamento do individuo, uma apneia que se sente na formação do processo político e epistêmico do tornar-se mulher. Mesmo com todo cansaço da formação acabamos nos tornando exatamente o que o capital nos projetou para ser. Um ser explorado em todas as suas dimensões.
A emancipação feminina também passa por conscientizar os moradores da casa que está é responsabilidade de todos os que nela habitam. Criar esse pensamento de responsabilidade em corpos não definidos para o lar é um meio de não aceitar responsabilização exclusiva sobre a mulher em situação de ‘senhora da casa’. Os demais habitantes devem criar a consciência do seu lugar na organização do espaço que habita. Lavar, passar e cozinhar é de responsabilidade de todos que necessitam destes serviços.
Em um período como o atual (QUARENTENA/covid-19) relegar as tarefas internas apenas a um individuo, reforça a ausência das mulheres nos espaços de produção acadêmica e pode acarretar no afastamento das mesmas do mercado de trabalho. Mulheres exaustas por conta do sobrepeso de suas demandas dobradas e triplicadas tanto em serviço de educar os filhos (ainda existem diversos homens que acreditam que é função exclusiva da mulher educar os filhos), lavar a roupa e cuidar da casa quanto em um aspecto de demanda de trabalho, que não são mais regulados ao menos em tese por pontos eletrônicos. Os serviços são muitos, e ter integrantes familiares conscientes de seus pápeis é um modo lúdico de lutar por uma sociedade mais justa.
Nós podemos tentar todos os dias resignificar essas amarras políticas, e definir que “o ser mulher” é algo que decidimos durante a nossa vida, ser mulher é o que nos cabe, sem apertar, sem padronizar. Vocês não precisam abandonar o que amam para agradar ou para organizar, limpar, lavar tudo sozinha, a casa é função real de todos os que nela habitam. Aos que se viram em situação de opressor, faça sua parte e construa uma sociedade mais justa.
Nota de consideração: estou falando de uma das muitas violências naturalizadas sofridas pelas mulheres.
Yasmin Nobre, 25 anos. Mãe, casada. Mestre em filosofia, pós-graduada em educação.