Por Rodrigo Brito*

Relatar sobre o dia em que conheci Alan Borges foi-me muito prazeroso e, como consequência, saber que o texto deixou o próprio poeta feliz, fez-me refletir sobre a importância de tornar públicos esses encontros tão cheios de poesia.

Como a ideia de escrever um artigo sobre a alegria de conhecer um poeta e apresentar alguns de seus poemas foi bem sucedida, apresento-lhes mais um relato.

O poeta da vez é Aclyse Mattos. Conhecemo-nos no Museu de Arte do Mato Grosso, no evento “Conversas literárias”, como parte da programação cultural do Seminário Poéticas de Vanguardas. Na ocasião, tive a felicidade de fazer parte do bate papo e estive ao lado de Joe Sales, Lucinda Persona, Juliano Lobato e, claro, Aclyse.

O evento me possibilitou conhecer várias pessoas encantadoras que também cultivam a poesia como forma de redenção da existência; porém, como o próprio título antecipa: atentar-me-ei à alegria de ter conhecido um poeta (e que viria a se tornar um amigo) que me mostrou, por meio de seus textos, um olhar poético sobre o nosso Mato Grosso.

Naquela noite, estar num evento organizado pelo querido professor Mário Cezar e sentar ao lado de Lucinda e Aclyse para conversar sobre poesia, já era uma felicidade, um presente! Quando o “poeta nas horas cheias e professor nas horas vagas” apresentou os seus livros, não havia nenhuma dúvida no ar: estávamos diante de um grande poeta!

Tive o privilégio de receber de presente os livros Quem muito olha a lua fica louco (2000) e Festa (2012) e após ler as duas obras, a minha admiração aumentou ainda mais. Além, disso, após essa experiência, despertou em mim um interesse de estar mais próximo das produções literárias de Mato Grosso.

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Alguns poemas de Aclyse servem de alerta para evitar o olhar banal que, não raras vezes, temos para o nosso estado, em uma tentativa de que a percepção consiga atingir a linguagem poética. A respeito disso, sinto em “Édipo preguiçoso” uma imagem comum: a mangueira. Mas com algo além: a comparação com a figura materna. Vejamos:

Édipo Preguiçoso

 

Nada é tão mãe

( depois da mãe )

Do que a sombra da mangueira.

 

(Quem muito olha a lua fica louco, p. 76).

 

Em Quem muito olha a lua fica louco, um poema fez meus olhos lacrimejarem: “Guilherme Dicke”. É uma homenagem muito especial ao querido escritor de Deus de Caim (1968). Lê-lo, principalmente por ter terminado recentemente a leitura da obra Toada do Esquecido & Sinfonia Eqüestre (Carlini & Caniato; Cathedral Publicações, 2006), deixa-me emocionado, pois sinto um eu-lírico compreensível às angústias dos personagens de Dicke e a todo aquele clima de mistério que paira na narrativa.

 

Guilherme Dicke

 

As afirmações do homem

são o espaço que ele arranca

da negação

A grande negação que tudo cobre

A cal, a santa, os assassinos

e os demônios tocando sanfona

fazem um baile das letras

– moscas, palavras, bandeirolas –

e por debaixo das cordinhas

no mais fogo da fogueira

– as vaidades do homem –

esse sopro de poeira

 

os rios da cobiça sempre começam

sob a lua da injustiça

 

(Quem muito olha a lua fica louco, p. 19).

 

O poema “Antimetafísica” é inesquecível! Com apenas uma leitura, marca o leitor para sempre. Após lê-lo, todos os dias que passei pela rua Voluntários da Pátria eu me lembrava do livro Festa, me lembrava do poema e me lembrava do autor. Acho bonito quando o poema começa a fazer parte de nossas vidas.

Antimetafísica

 

Cuiabá: cidade do antimistério,

onde a rua Voluntários da Pátria

acaba no Cemitério

 

(Festa, p. 22).

 

Dividido em “lado a poemas” e “lado b canções”, a obra Festa é o espaço de dança onde o leitor desfruta as músicas, o ritmo, a alegria e o namoro com a poesia. A musicalidade do sotaque e do vocabulário cuiabano compõe o lado b, momento em que a festa torna-se mais dançante e descobrimos que a cultura cuiabana é toda musicalizada.

 

Pedido

 

Xôs braço, xás mão

eu vou pedir

xô corpo todo

pra Xeu Jão

xás canela, xás cotxa

rufa xás coisa

ruma a mala djunta a trôtxa

 

Xia minina, xia moça

Vamo simbora

Tá na hora, ruma a trôtxa

 

Xos cabelo, xos beidjo

é goiabada nos xô beiço

eu viro queidjo

xos olhinho, xos queitxo

e se xá mãe vim te buscar

eu num te deitxo

 

Xa cintura, xos peito

e aproveita

enquanto tá tudo nos djeito

Xas oreia, xos olhinho

e aproveito

pra pedir xô umbiguinho

 

Xa boca, xa pretcheca

Eu ixcrusive

quero toda ocê

compreta

Xas perna, xa xana

eu quero ocê num tem mais beira

pra xa mana

 

xos braço, xás mão

bão bão bão

 

(Festa, p. 70).

 

Essa maneira particular de registro das palavras é característica dos poemas do “lado b”. Rico em imagens e sons, “Pedido” chama a atenção também pelo conteúdo: o erotismo e o amor que a voz poética promete e declama para a pessoa desejada. As metáforas “xos beidjo é goiabada nos xô beiço viro queidjo” são delicadezas, sabores do corpo que fazem o eu-lírico se lembrar de um doce popular, “Romeu e Julieta”, já que o queijo e a goiabada formam uma combinação perfeita.

Então, conhecer Aclyse foi uma alegria e ler os seus poemas é um presente muito valioso. O contato com a poética de Quem muito olha a lua fica louco e Festa propicia-me desenvolver, talvez, um olhar mais cuidadoso para o cotidiano, para o nosso estado, nossas belezas, nossos encantos, nossos afetos e para a musicalidade da cultura cuiabana. Só tenho a agradecer ao poeta pelos vários ensinamentos e por me fazer sentir acolhido por um universo de poesia.

 

*Rodrigo Brito, poeta, autor de Solstício ao Luar (2013) e VISÕES (2015).

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