Por Gilda Balbino*

Andando distraídos pela cidade, reparamos e aprendemos o trabalho imaginado e articulado de muitas gerações. A nossa cidade antiga desafia a necessidade da velocidade da circulação de pessoas, mercadorias e capital, cada vez mais rompendo barreiras, territórios, destruindo referências do passado em nome do progresso.O município é o resultado do trabalho coletivo de uma sociedade onde está enraizada a história de um povo, sua religiosidade, sua identidade social, política, econômica e cultural.

Os diferentes espaços identificadores de cada grupo social, espaço de trabalho e moradia e aqueles que são tratados de forma desigual pela administração pública, despertam em nosso olhar esperança, alegria, bom humor, ou ainda, perplexidade e indignação. A luta pela sobrevivência com baixos salários, muitas horas de trabalho, o barulho, a sujeira, o transporte coletivo ruim, a violência mostram as dificuldades da vida urbana.

Saber que tipo de cidade desejamos não pode estar desvinculada de saber que o direito à cidade é muito mais que a liberdade individual de ter acesso aos recursos urbanos: é entender que a perpétua necessidade de encontrar espaços adequados para a geração do lucro e para seu reinvestimento é o que move a política do capitalismo.

As obras que vão alterando os contornos e a imagem transformam a vida dos moradores em constante tensão, pois as mudanças são tão vertiginosas que mal há tempo para acompanhá-las. Com seus casarões assobradados, suas ruas estreitas, a cidade antiga, em seus arranjos internos, vai dando lugar a edifícios funcionais, capazes de abrigar pessoas e atividades econômicas.

A expansão mais recente do processo de urbanização acarretou mudanças no estilo e na qualidade de vida nas cidades. Virou uma mercadoria, num mundo onde o consumismo, o turismo, indústrias culturais e do conhecimento se tornaram aspectos importantes da economia urbana. Proliferam os shoppings centers, cinemas multiplex, condomínios fechados, lanchonetes, lojas padronizadas, etc.

Vivemos em áreas urbanas divididas que propiciam conflitos. Nas últimas décadas o neoliberalismo restaurou o poder das elites ricas o que acarretou espaços como condomínios fechados, com uma ampla infraestrutura de lazer, de educação e espaços públicos privatizados, mantidos sob vigilância constante.

Em contrapartida a periferia padece de abandono, sem infraestrutura ou com condomínios populares, (Minha casa, Minha vida), sem espaços de lazer, saúde e educação. Basta andar pela Avenida das Torres e verificar os enormes conjuntos habitacionais populares, despidos dos equipamentos públicos citados. Desse modo, os ideais de identidade urbana, cidadania e pertencimento se esvaem.

Vivemos repetidamente a mesma situação: o crescimento das cidades modernas valoriza as áreas antigas e centrais de forma colossal, expulsa os trabalhadores que ocupam esses espaços para a periferia e em seu lugar constroem lojas, armazéns e edifícios públicos. Em Cuiabá desde a década de oitenta isso vem acontecendo. Muitos não têm a escritura do imóvel, mas tem o direito conferido pela Constituição de 88 que é o usucapião urbano e não sabem disso.

Adotam-se políticas de concessão de direitos de propriedade privada a populações das periferia. Eles terminam por trocar sua casa no centro histórico por um pagamento em dinheiro e mudam-se para conjuntos habitacionais populares, nos levando a acreditar que daqui a uns dez, quinze anos esses casarões poderão estar ocupados por prédios altos, com visão privilegiada da exuberante paisagem cuiabana, habitados por uma elite privilegiada.

As massas, através da política de urbanização capitalista são espoliadas do direito à cidade, o que nos leva a concluir que os movimentos sociais urbanos e das periferias das cidades não possuem uma conexão. Ainda que em 2001 o Brasil tenha aprovado o Estatuto da Cidade, após anos de pressão dos movimentos sociais pelo reconhecimento do direito coletivo à cidade, essa conexão só será possível quando adotarmos o ideal político do direito à cidade, unificando os movimentos sociais, retomando o controle que por tanto tempo lhes foi negado para se instituir novas formas de urbanização.

As transformações que ocorrem hoje em Cuiabá não levaram em consideração que é preciso haver uma convivência harmoniosa entre a natureza e a sociedade. Não foram consolidadas as diretrizes gerais da política urbana prevista no Estatuto da Cidade.

Passamos por uma violência sem limites com as obras da copa muitas delas inacabadas até hoje. A Rodoanel foi iniciada em 1995 e, pasmem, agora o poder público diz que retomará as obras, totalmente repaginadas, com viadutos, pista dupla, impactando diversos municípios da baixada cuiabana. O que acontecerá com essas cidades e com os imensos espaços vazios que advirão dessas obras? Quem estará lucrando com isso? Quanto custará para os municípios para atender com novas ocupações com serviços públicos básicos?  E o VLT? Virou novela? Vamos ver os próximos capítulos….greves na educacão, na segurança,….não tem dinheiro para pagar URV do funcionalismo, nem reposições salariais…. tem que continuar pagando os empréstimos para a construção das obras inacabadas e dos equipamentos que apodrecem…..  As obras que consomem vorazmente recursos públicos tem sua qualidade constantemente questionada pelos órgãos de controle e fiscalização.

A materialização do direito ao pleno desenvolvimento das funções sociais de Cuiabá e a garantia do acesso a uma cidade sustentável é tarefa de todos, passando pela força mobilizadora dos movimentos sociais, das entidades civis organizadas em defesa do direito à cidade e à habitação digna, com serviços públicos eficientes. Essa é a cidade que todos nós queremos.

*Gilda Balbino é assessora parlamentar e especialista em gerente 
de cidade pela FAAP

 

Deixe um comentário

Please enter your comment!
Please enter your name here