A música de orquestra me remete aos domingos ou até mesmo, a todos os dias, na casa dos meus avós na hora do almoço. Agora não me recordo se ele já explicou o porque ou não, mas é como uma tradição. Por isso, os convidei para me acompanharem no concerto da Orquestra do Estado de Mato Grosso com um repertório inteiro dedicado ao clarinete de um dos grandes nomes da música brasileira, Cristiano Alves. Fomos ao teatro Zulmira Canavarros neste sábado e eu ainda esperava a revelação de que o clarinete podia realmente ser tão versátil quanto o maestro Leandro Carvalho prometia durante a abertura do concerto.
É claro que eu sabia que seria um espetáculo. Havia lido o currículo do cara, que circula o mundo a tocar para os maiores públicos junto às melhores orquestras. E havia acompanhado parte do ensaio na sexta-feira, que me mostrou o potencial da noite. Mas a dimensão da versatilidade do clarinete estava longe de ser real para mim.
Antes do clarinete, uma apresentação apenas da orquestra com peças de Erik Satie para homenagear seus 150 anos, comemorados em 2016, me remeteu a cenas de filmes que utilizaram Gymnopédie nº 1 e Gnossienne nº 1 em suas trilhas sonoras.
Só então que Cristiano Alves entra no palco. A plateia o espera. São composições feitas especialmente para seu clarinete. O versátil. E em cada peça, o clarinete ganha força e fazia o corpo de Cristiano dançar a sua volta, quase como se o transformasse em um encantador de serpentes. É o domínio de quem dedicou uma vida toda ao universo musical, o qual descobriu na infância e o acompanha desde então.
As peças inéditas compostas para seu clarinete foram “Fantasia Concertante sobre formas de choro para clarinete e orquestra”, escrita pelo compositor Leonardo Bruno, filho de um dos mais importantes clarinetistas do Brasil, Abel Ferreira. A outra foi “Três cenas musicais brasileiras para clarinete e orquestra” de Paulo Aragão. Elas já haviam me convencido que o clarinete podia se fazer alegre e triste ou melancólico como um toque leve de sopro.
O clarinete renovou o fôlego em “Cafezais sem fim” composta por Wagner Tiso, e que arrebatou o público daquela noite. Leandro e Cristiano deixaram o palco após serem aplaudidos de pé. Em coro, as pessoas pediram bis. E eles voltaram. Refizeram os “Cafezais sem fim” e encerraram a noite de maneira surpreendente. Uma experiência incrível. O clarinete se fez grande.
O teatro lotado, com pessoas de todas as idades, jovens e idosos, crianças e adultos, todos apreciando a música de orquestra. Cristiano Alves falou algumas palavras, elogiou a atuação do maestro que transformou a Orquestra do Estado a ser reconhecida nacionalmente e disse que talvez, o público aqui, ainda não tivesse a consciência do tamanho disso. E vale ressaltar que de forma acessível, afinal, a entrada era a doação de 2 kgs de alimento.
Eu havia percorrido os labirintos do teatro para acompanhar o ensaio da orquestra na sexta e me extasiei com a música no palco. Pude ver o maestro de frente com seus movimentos suaves que torna todos ali parte de algo maior, os músicos se tornam um só. Todos os gestos orquestrados em uma engrenagem que produz uma experiência não só musical, mas que nos transcende.
E quando Cristiano fez o louvor à Orquestra de Mato Grosso lembrei do concerto de Hamilton de Holanda, ao qual fui no ano passado. Outra experiência que me marcou e que foi proporcionada por esta conexão que a orquestra faz com nomes de todo o Brasil e de outros países. O clarinetista que viaja o mundo todo com a força de sua música (fiquei pensando o quanto é preciso ser forte para tocar um instrumento como este), também disse que os músicos querem e esperam vir aqui para tocar.
É bom saber o que a música impulsiona, as histórias das pessoas que a vivem, que a encarnam como missão de vida, afinal, é preciso dedicação suprema para se lançar ao universo da arte. E ver que tudo isso nos transforma também, como espectadores desta união de pessoas que acreditam.