Antes de começar a peça OraMortem no Panorama das Artes na UFMT, um aviso: este não é um espetáculo. É uma experiência. A entrada para ver a peça não é pela porta principal do teatro, mas pela lateral, descendo as escadas, subindo de novo, até chegar ao palco. O público se acomoda em uma arquibancada improvisada. Um espelho d’água revela vislumbres do que viria a ser aquela experiência. O reflexo na água nos mostra uma mulher com a aparência de uma velha, sentada em uma cadeira de balanço.

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As luzes diminuem, e um lamurio começa. Uma música suave ao fundo acompanha todo o enredo. Talvez me faltem palavras por justamente não haver um diálogo sequer durante os 40 minutos de OraMortem. São apenas suspiros profundos, lamentos, palavras entrecortadas, balbuciadas, que se significam no sentido único de cada espectador.

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E a velha se encontra com o menino que desce dos panos como se libertando do casulo. Ela tira a máscara que esconde o rosto dele, mas é só uma casca.

Um jogo de sombras. Uma dança entre corpos. A música dá o tom, o ritmo da peça. A velha senhora chora. Confronta-se com o vazio do espelho, com o vazio da memória. Eu vejo o espelho d’água como o reflexo de uma mente que acalenta lembranças de um passado. E estas lembranças se confundem com este presente vazio, onde vive o seu choro. Suas lágrimas são as águas.

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E em alguns momentos ela cede, seus corpos se encontram nesta dança, neste jogo de sombras, que se intercalam com os reflexos do espelho d’água. Sua expressão é sempre um choro, um assombro.

Por um momento, pensei que se a velha entrasse no casulo poderia morrer. Mas não. Quando ela se balança, o momento é de leveza, é a única alegria que encontra em meio ao seu choro. Bolhas de sabão começam a descer do teto, o menino brinca com a água e ela voa em seu casulo. É só aí que ela se solta. É só aí que ela ri e que parece viver.

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As luzes descem novamente. E a música diminui.

Não consigo significar OraMortem para os outros, apenas o que representou para mim. Enquanto eu via uma lembrança de uma mente confusa, de algum amor do passado, neste reencontro às vezes até físico que só a memória nos proporciona, como um verdadeiro voltar ao tempo, minha mãe via a perda de um filho, que a velha chorou por toda a vida.

Ao fim da experiência, os atores cantam parabéns para a colega de cena Karina Figueredo. Após a morte, a celebração da vida. E o que fica disso tudo é uma lição de amor.

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O In-próprio Coletivo encena com OraMortem há dois anos, e a peça demorou para chegar neste formato. Com o fim, eu só queria dar replay. E a próxima experiência será no SESC Arsenal, no Palco Giratório. Por agora, eles viajam pelo interior através do Circula MT. Aqui, só quero deixar meus sinceros agradecimentos. Nunca vi nada tão belo em toda minha vida. Foi uma emoção como não havia sentido ainda.

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Sobre Oramortem

A atriz Daniela Leite convidou seis artistas a pensar e propor soluções para estruturas técnicas do espetáculo OraMortem: luz, cenário e música. Na ocasião do convite existia somente uma célula inicial da pesquisa inspirada no delírio de sua avó, Dona Lourdes. Durante os primeiros experimentos de criação, a disponibilidade dos artistas para com o processo extrapolou a noção de execução mecânica, instaurando um exercício de pertencimento e apropriação, pois muito além de uma mera convocação de habilidades, o que ocorreu foi a abertura para o encontro que teceu OraMortem.

Surgiu recentemente a necessidade de batizar esse modo de criação inerente e específico a esses artistas. Na busca de um termo que fosse coerente com os desdobramentos dessa experiência chegou-se à noção de coletivo, pois o processo OraMortem é um encontro de artistas com interesses e afetos aos quais se entregam reafirmando e transformando esse lugar de criação. É assim, fragilmente delimitável pelos seus membros, suas áreas de atuação, influências e movimentos.

*Uma curta temporada de OraMortem acontece nos dias 16, 17 e 18 de junho às 19h30 e às 20h durante a semana de abertura do espaço cultural Metade Cheio no Centro Histórico de Cuiabá. Para saber mais sobre ingressos e reservas para assistir, clique aqui.

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