Apresentado pela primeira vez no festival de Cannes de 2015, “O Lagosta”, novo filme de Yorgos Lanthimos – diretor grego responsável por “Dente Canino” e “Alpes” – é uma comédia de humor negro onde o humor está na realidade do absurdo. Por trás das piadas tortas e dos personagens caricatos, uma crítica voraz às relações afetivas e à pressão da sociedade em relação a elas se esconde.
Num futuro distante – ou nem tanto – o isolamento das pessoas em seus mundos particulares alcancara níveis nocivos para a convivência em sociedade. Como resultado disto, solteiros são proibidos em círculos sociais e são confinados à uma instalação de reeducação: O Hotel. Uma vez no hotel, solteiros devem dispor de todas as ferramentas possíveis para encontrar um novo parceiro. Caso a pessoa falhe em encontrar um par em quarenta e cinco dias ela deve ser submetida ao “processo”, onde será transformada em um animal para que possa, em uma última alternativa, encontrar um parceiro no mundo selvagem.
David (Colin Farrell) é um homem recém divorciado que se vê obrigado a internar-se no hotel. Acompanhado de seu irmão, – um cachorro, após falhar em sua própria tentativa – ele se esforça em relacionar-se numa sociedade de deficientes emocionais, onde todos dialogam de forma rígida e técnica – como se lessem textos do wikipédia sobre como manter uma conversa – e buscam em qualquer detalhe um motivo para relacionar-se. Casais se unem por terem os mesmos problemas de visão, o mesmo apreço por flores amarelas, ou pelas mesmas dificuldades em expressar sentimentos. Sempre muito lógico, David decide tornar-se uma lagosta caso tudo dê errado.
É claro que todo sistema tem suas falhas. Apavorados pela idéia do processo ou apenas obstinados a viver em reclusão, um grupo de solteiros vive junto na floresta nos arredores do Hotel, comandados por Léa Sydoux. Proibidos de retornar a cidade, caçados pelos hóspedes do hotel como mais um esporte e marginalizados por sua escolha pela individualidade, vivem sobre um código onde é proibido relacionar-se entre si. Repudiando os relacionamentos que os exilaram, punem com tortura aqueles que sequer arriscam um beijo. Nesta sociedade de extremos, David, um homem que vive em cima do muro, é obrigado a lutar pela própria existência.
Transitando entre a comédia romântica, a sátira cruel, o suspense e o cinema absurdo, Yorgos exercita sua síntese sobre as relações do novo milênio. Para Yorgos, acostumados com uma conectividade que cada vez mais nos isola em nosso pequenos universos, nos relacionamos superficialmente, falando sem dialogar e nos afastando mesmo em grupos. Em uma determinada cena, após uma investida vitoriosa contra os hóspedes do hotel, os solteiros da floresta dançam nas batidas de uma música eletrônica em comemoração, mas todos em seus respectivos fones de ouvido. A comicidade da cena só perde para a amarga realidade do absurdo apresentado.
Mesmo quando a promessa de amor verdadeiro se faz presente no papel de Rachel Weisz , o diretor e seu parceiro no roteiro, Efthymis Filippou permeiam o romance com uma eterna incerteza. Nos diálogos fora de ritmo e na trilha sonora angustiante, o diretor questiona a veracidade do amor na sociedade atual e se ainda é possível doar-se num ambiente tão egoísta. Os amigos de David, interpretados por John C. Riley e Ben Wishaw, personificam a indiferença mascarada de afeto e a carência e o desespero maquiados de amabilidade.
Mas sátira e amargura são apenas alguns dos detalhes que fazem de “O Lagosta” tão especial. As atuações competentes dão vida à essa socidade aburda e trazem veracidade para o universo do filme. A fotografia, comedida e apática, transforma as belas imagens do countryside inglês e retira do mundo as cores junto com as emoções que elas carregam. Com um ritmo que desafia os aflitos e com uma edição linear, o resultado final faz valer a experiência. Resignificando a comédia romântica, “O Lagosta” dá gás ao gênero ao adaptar-se as relações atuais. O preocupante é só o quão certo ele pode estar sobre elas.
Quero assistir! 😀