Marcelo Pissurno
Inúmeras cidades do mundo estão em áreas ricas em biodiversidade, como florestas tropicais, bacias hidrográficas, planícies de inundação, estuários e regiões costeiras. A expansão urbana e a fragmentação de habitats estão transformando rapidamente estes locais críticos que têm alto valor para a conservação da biodiversidade ao redor do globo – os chamados hotspots.
A urbanização aumenta o número e a disseminação de espécies exóticas invasoras, aumentando a frequência de eventos de introdução e criando áreas de habitats perturbados para espécies exóticas se estabelecerem. Existe uma variedade de espécies “cosmopolitas” generalistas habilidosas, que estão presentes na maioria das cidades do mundo e especialmente do Brasil, é o caso da Leucena (Leucaena leucocephala); Lírio-do-brejo (Hedychium coronarium); Braquiária (Brachiaria brizantha) e Albizia (Albizia lebbeck).
Simultaneamente, a urbanização e fragmentação de florestas urbanas muitas vezes levam à perda de espécies “sensíveis” que dependem de porções maiores e mais naturais de seus habitats. O resultado disso é conhecido por “homogenização biótica”.
Os impactos urbanos sobre os ecossistemas naturais podem ter efeitos imprevistos sobre a saúde e o bem-estar dos residentes da cidade. Entender como os ecossistemas prestam serviços ambientais e como perdem essa capacidade, quem se beneficia com eles e como podem contribuir para sua maior resiliência é fundamental para o desenvolvimento de cidades sustentáveis.
Pensando pontualmente, a perda de um terreno baldio, uma área verde próxima de onde morarmos ou trabalhamos, ou até mesmo de uma única árvore na paisagem urbana já nos impacta demasiadamente. Seja no aspecto visual com a construção de um prédio que pouco conserva o verde ou dialoga com a calçada e com a rua, ou na própria luminosidade e sensação térmica. Tudo isso impacta na maneira que nos relacionamos com o ambiente, e com a cidade como um todo.
A urbanização é a principal causa desta conversão, principalmente em grandes centros urbanos. Ela está mudando, sobretudo a natureza do nosso planeta. Preservar a biodiversidade neste novo planeta urbano exige ir além das tradicionais abordagens de conservação de proteger e restaurar o que consideramos como “ecossistemas naturais” e tentar incluir ou imitar esses elementos no desenho dos espaços urbanos. As cidades já representam uma nova classe de ecossistemas moldados pelas interações dinâmicas entre sistemas ecológicos e sociais.
À medida em que arquitetamos a disseminação desses ecossistemas ao redor do planeta, devemos ser mais cautelosos em não apenas tentar preservar os componentes de ecossistemas e serviços anteriores que eles substituem, mas em idealizar e construir tipos totalmente novos de ecossistemas que permitam a reconciliação entre o desenvolvimento humano e a biodiversidade.
Jardins residenciais e parques, por exemplo, se tornaram importantes oásis para populações de abelhas e outros polinizadores, que prestam serviços ecossistêmicos valiosos para o ser humano, mas que têm dificuldades para sobreviver frente à urbanização e seus impactos. Além disso, a qualidade, a assembléia de espécies vegetais e seus serviços prestados influenciam ainda mais na saúde e quantidade de polinizadores que ali persistem.
Mesmo algumas espécies ameaçadas encontram ambiente adequado em ecossistemas urbanos, ainda que seus habitats originais tenham desaparecido. Inovações como telhados verdes, jardins verticais, preservação de fragmentos remanescentes ou até mesmo a criação de novos bosques e maciços florestais dentro do ambiente urbano, aliado com intervenções humanas como fertilização e irrigação complementares, têm o potencial de oferecer novos habitats e nichos para espécies que podem ser bastante diferentes das encontradas em ecossistemas mais naturais.
Os desafios envolvendo urbanização e conservação da biodiversidade exigirá melhores habilidades de governança em múltiplas escalas, principalmente em nível de cidade quanto à disponibilidade de recursos financeiros, humanos, e principalmente técnicos. A gentileza com a biodiversidade tem de ser considerada tão importante quanto com a redução das desigualdades sociais, do desemprego e com a melhoria de acesso a alimento, água, saneamento e habitação. Isso porque a biodiversidade muitas vezes é a base para o desenvolvimento social no ambiente urbano, tanto de forma direta quanto indireta.
Mais de 60% da área projetada para ser urbana até 2030 ainda estão por ser construídas. Isso nos dá um certo conforto, porém ainda temos tempo para promover a sustentabilidade global, por meio do desenho de sistemas com maior eficiência no uso de recursos e água. Ademais, as cidades podem ser guardiãs responsáveis pela biodiversidade e serviços ecossistêmicos dentro e fora dos seus limites.
Ainda que a urbanização rápida propicie inúmeras oportunidades para garantir o bem-estar humano básico e um ambiente agradável, estas oportunidades encontram-se no fato de que as paisagens urbanas também são os mesmos locais onde o conhecimento, as inovações e os recursos humanos e financeiros provavelmente serão desenvolvidos.
Não existem soluções generalistas para o manejo da biodiversidade e dos ecossistemas ou até mesmo para a sustentabilidade. No entanto, temos muito a ganhar ao questionar as atuais trajetórias e valores, enquanto aprendemos com os outros, com a produção de melhores evidências e o compartilhamento de informações e experiências. Nenhuma cidade pode ou poderá resolver os desafios atuais sozinha.
Marcelo Pissurno: Engenheiro Florestal, arborista e paisagista.
Mestre em Ciências de Florestas Tropicais. Apaixonado por Cuiabá