Por Luiz Renato de Souza Pinto*
Desde o dia quatro de maio está acontecendo em nossa cidade a vigésima edição do festival de teatro Palco Giratório, iniciativa do Serviço Social do Comércio (SESC) e que brinda Cuiabá com alguns dos melhores espetáculos em cartaz pelo país, facilitando o intercâmbio com grupos locais, uma vez que além das peças acontecem oficinas, bate-papos com artistas após as apresentações, como também trocas de experiências com os encontros denominados Pensamento Giratório.
Escrevo este texto na manhã nublada de quarta-feira, 17 de maio, após termos recebido o número de doze apresentações, entre performances, peças propriamente ditas e a abertura musical com DJs, na festa que abrilhantou o Arsenal para dar o ponto de partida. Já resenhei para o blogue Parágrafo Cerrado cinco dos seis espetáculos a que assisti e neste espaço gostaria de me reportar ao sexto, Os Mequetrefes, montagem de número cinquenta e nove de um repertório de sessenta da (quase) jurássica companhia Os Parlapatões; sim, digo isso pela dificuldade de longevidade de grupos que vivem sem subvenção, à mercê de suas próprias pernas e da instável política de incentivos para comunidades artísticas de qualquer linguagem.
A arte tem o dom de produzir um brilho onde antes tudo era ofuscado por um ego rompido, por personalidades interditas e outros bloqueios de ordem psicossomática em geral. Palhaço nunca foi sinônimo de trapalhão, bem lembrado por um dos líderes do grupo durante o bate papo após a apresentação. Revelar os bastidores da montagem, o processo de criação do espetáculo dentre outras curiosidades aumenta a magia contida no palco italiano, ou em qualquer outro picadeiro, ao invés de mitificar a obra artística como genial ou fora do alcance da maioria dos mortais.
Observo uma incidência acima da média dos espetáculos para maiores de dezoito anos na programação de 2017, o que não acho ruim, até mesmo porque as crianças estão sendo estimuladas a passar mais horas em cima das telas de todos os tamanhos. Porque seus pais, na ânsia de melhorarem de vida a médio e longo prazo sacrificam-se com menos divertimento para ficarem na segurança de seus lares, presos aos folhetins da Netflix, ao invés de áreas de convivência social onde as trocas simbólicas de que falava Boiurdieu se dão de maneira mais cooperativa.
Sem pretensão alguma de me tornar um ativista da moral, trago essas reflexões apenas para apimentar um pouco a dinâmica da palavra expressa, impressa virtual ou fisicamente em algum suporte discursivo. Recentemente fui chamado à realidade para ver meus dois filhos (um casal) às portas de uma adolescência que transforma os seres humanos em algo diferente do que foram até então. E vejo como essa cibernética cultura tem atingido a sua formação. Como professor do ensino médio e, também, usuário das novas tecnologias vejo com preocupação essa urgência toda em se acessar as mensagens em tempo real, em atribuir protagonismo aos pequenos aparelhos sem os quais a humanidade parece perdida em eternas divagações.
O futuro já chegou faz um tempo. Talvez eu não tivesse percebido antes. Talvez estivesse enjaulado em meus livros, companheiros eternos de minha “solidão independente”. Seja como for, vejo amigos com seus leitores de e-book e milhares de livros digitalizados enquanto eu ainda me relaciono com o papel passado, com as letras escritas em volumes que se espalham pela minha casa. Eu, tão habituado ao barulho ensurdecedor da página virada; até isso já reproduzido pela tecnologia, e refém convicto do cheiro de cada obra lida, ou aquela em vias de ser manuseada pelos dedos ágeis que saboreiam cada parágrafo cerrado diante de meus olhos.
O futuro já chegou, é fato. Mas ainda gosto do meu passado nem tão remoto e do presente que me traz a oportunidade, por exemplo, de vir até vocês e demonstrar minha insatisfação com uma vida tão finita na qual não há tempo para se fazer tudo o que a gente se propõe. Carpe diem!
*Luiz Renato de Souza Pinto é ator performático, poeta, escritor e professor.
poeta, poeta, o penúltimo parágrafo é de uma beleza sem fim…(grato)
Ler luiz é como beber água; é necessário, vira tudo, vira vinho, vale sempre, vlw.