Esta é uma entrevista que fiz com uma figura muito importante pra cena das artes em Cuiabá. Caio Amaro ou Caio Costa. O querido Caio é um amigo e parceiro de muitas músicas da época que montamos a banda Donalua. Ele e sua mãe, Elisete Nunes, são fundamentais pra muita gente que vive ou já viveu aqui no cerrado. Ele está de livro novo, Imperador Kot e seu sonho de voar, e batemos um rápido papo pra informar a geral sobre o seu lançamento.
Qual sua influência literária, o que tem lido?
Minha influência literária é o próprio movimento da vida, o comportamento das cores, dos traços, as decisões humanas, as mudanças na direção do vento, mas compreendo a pergunta, acessei recentemente dois autores que achei incríveis, gostaria de ressaltar a Cristiane Lisbôa do livro “Duas pessoas são muitas coisas” e outro foi Jader Pires com o livro “Deserto Negro”. Com relação aos formatos tenho uma preferência por contos, tenho alguns clássicos que são marcantes para mim como “O homem que sabia Javanês” do Lima Barreto, “Presépio” do Carlos Drummond de Andrade, “Uma galinha” da Clarice Lispector, entretanto é muita coisa boa, muita gente interessante, a literatura é gigante. Ultimamente li uma coleção do Allan Poe, é um escritor excepcional, confesso ter demorado em lê-lo com a devida atenção. Uma produção genial.
Tenho alguns autores que admiro, entre eles posso citar medalhões da história como Gabriel Garcia Marquez, José Saramago, Clarice Lispector, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Carlos Drummond de Andrade, Machado de Assis, porém são nomes “obrigatórios”, procuro – não apenas na literatura, mas nos consumos artísticos diversos – acessar a produção independente, as experiências livres que estão longe das vitrines das livrarias, dos esquemas das gravadoras, da sala de cinema no “shopping”, me parecem mais honestas e relevantes no modo de contar nosso tempo. Acredito que essa base é que forma a verdadeira identidade cultural artística brasileira e, conecto nesse pensamento, as reais manifestações culturais populares, as tradições e matrizes fundamentais da genealogia cultural. Por mais que a indústria do entretenimento tente impor essas merdas enfeitadas diariamente, a resistência vive na produção artística da base, na periferia, nos terreiros, nas casas e festivais independentes, galpões de teatro, cine clubes em praças comunitárias e por aí nos formamos. Essa atmosfera independente é uma força inspiradora para a minha produção.
Como foi a concepção do livro?
Esse texto eu prometi para um amigo que morreu. Quando o meu amigo Kot desapareceu, prometi que concluiria essa história em sua homenagem. O Kot era um gato que dividia uma casa comigo.
Eu já tinha uma linha em mente para construção de um texto que inicialmente deveria ser infantil, mas tomou outro rumo e acabei aceitando a natureza daquele processo criativo e, consequentemente, o que a história estava pedindo. Às vezes sinto que certas criações estabelecem alguns limites na modelagem, existe uma sequencia obrigatória ou não será aquele sentimento. Objetivo era tratar da coletividade como um dos fatores principais da alegoria; acredito ter atingido esse propósito.
Transversalizando esse contexto abordei temas como meio ambiente, patrimônio histórico, amor, amizade e transformações. Empreguei alguns recursos muito utilizados nas fábulas para lapidar as metáforas com a sociedade humana e saiu o “Imperador Kot e Seu Sonho de Voar”.
Fiquei muito satisfeito com o resultado geral do trabalho, as pessoas que contribuíram para materialização do livro foram extremamente carinhosas com o texto. Fiquei muito grato. Nesse time a Giovana Machado fez assistência editorial e revisão, contribuiu muito para ajustes no perfil dos personagens, críticas de andamento entre outros pontos estruturais. O Caio Mattoso fez a primeira revisão, pegou o grosso e fez os primeiros ajustes gramaticais. A Maria Renata Morales fez a direção de arte e o projeto gráfico. O Fabiones fez as ilustrações e participou da concepção gráfica também. Como artista independente, me sinto privilegiado, por ter essas pessoas fantásticas lado a lado como parceiros e amigos.
Uma grande força para materialização do projeto foi o PROFAC – Programa de Fomento a Arte e Cultura de Mogi das Cruzes. Esse instrumento público permitiu realização do projeto. É uma grande ferramenta para o município.
Como é o ato de escrever, a escrita pra você? Como é seu modo de produção, criação?
É processo muito prazeroso. Eu escrevo desde muito novo. Meu primeiro romance eu escrevi com 14 para 15 anos, um livro chamado “Ajude-me a Sonhar”; evidente que foi um trabalho cheio de problemas, mas concluí e distribui para alguns poucos amigos.
Eu nunca gostei de escrever poemas, gosto de criar histórias, personagens e cenários, mas com 16 para 17 anos fui me aproximando da música e ali iniciei um processo de criação ligado à composição musical que me acompanha até hoje. Vejo que as letras bebem da fonte dos poemas – na maioria das vezes podemos considerar a mesma coisa.
Nessa minha trajetória acabei me dedicando bastante para o processo de composição e produção cultural, ao ponto de publicar um novo romance apenas agora.
Ainda em Cuiabá eu publiquei um livro chamado “Lugar Comum”, aproximadamente no ano de 2003/2004, contudo foi um período muito conturbado na minha vida, problemas de ordem pessoal não permitiram que eu explorasse melhor aquela oportunidade de publicação, foi um momento que tive que mudar de Cuiabá, muito repentinamente. Não consegui aplicar atenção que o “Lugar Comum” merecia, mas foi lançado, circulei com ele durante um período, porém compreendo que o “Imperador Kot e Seu Sonho de Voar” é um resultado infinitamente melhor. Vale pontuar que se passaram mais de 15 anos do “Lugar Comum” para esse novo trabalho, o amadurecimento é natural.
Queria abordar um aspecto que está ligado aos métodos de criação. Nesse último trabalho experimentei uma metodologia criativa que foi bastante positiva e, acima de tudo, divertida. Inicialmente construí os personagens como manda a “cartilha”, modelei suas personalidades, testei situações e por fim desenrolei os cenários em conjunto com os pontos de virada da história, resumindo. Na sequencia resolvi contar a história e gravar em áudio antes de escrever de fato, o resultado foi uma sensação de incorporar melhor os personagens e suas experiências. Foi um processo bem legal que pretendo repetir mais vezes e sugiro para quem gosta de escrever e nunca experimentou. No mínimo vai ser muito divertido.
Como vai ser o lançamento, onde é que vamos achar o livro? Sei que já escreveu outros livros… eles estão disponíveis?
O lançamento do Imperador Kot vai acontecer no sábado 25 de julho, às 16h pelo facebook – página do livro.
Coloquei um site do livro para detalhar sobre a obra e como adquirir o trabalho.
Eu escrevi seis livros, mas publiquei apenas dois. Como já mencionei, o livro “Lugar Comum” foi primeiro a ganhar uma publicação, ainda é possível encontrar em alguns sebos em São Paulo e Cuiabá. Eu não tenho mais nenhuma cópia, apenas a minha. Agora estou circulando com o “Imperador Kot e Seu Sonho de Voar”. Os outros materiais estão sem revisão, não sei se pretendo publicá-los, é parte do meu laboratório, mas quem sabe?!.
E a política cultural? Como você vê o mercado editorial, o espaço pra literatura? Qual a importância da literatura?
Acredito que há uma imensa crise artística no país que agrava a cada dia com esse governo que não prioriza a cultura e não tem nenhum plano efetivamente para o setor. Um ponto em comum entre as linguagens artísticas é o quesito sustentabilidade, ainda que com suas especificidades, penso que é um aspecto que contorna os principais debates, a famosa formação de plateia. Não que seja um único ponto, mas é um aspecto relevante no debate do setor. Mas isso eu digo observando nós fazedores da base, não os “medalhões” de grandes emissoras, gravadoras, galerias e tudo mais, a lógica dessa minoria artística é outra.
Outro ponto que vale uma fala é sobre a indústria do entretenimento, ela dialoga muito fácil com os projetos de manipulação da sociedade, porque a métrica é o retorno financeiro. Não mede esforços em cooptar os movimentos espontâneos, sobretudo os questionadores que surgem na periferia das cidades. O poder quer controlar tudo de todo jeito. Vão pasteurizando as ideias. Se considerarmos o imenso capital alocado nas iniciativas que tem como objetivo transformar tudo em “produtão” e controle, a luta, às vezes, é bem injusta, mas mantenho minha dose diária de esperança que ainda podemos nos organizar e criar nossas ferramentas de diálogo direto com o nosso público, acredito em um despertar geral. Vejo na tecnologia um potencial nessa luta.
Com relação à literatura, o primeiro golpe vem dessa dinâmica de poder que insiste em manter grande parte da população em um estágio de dificuldade de acesso aos instrumentos que permitem a emancipação, acho que dispensa explanar os motivos, o fato é que diminui muito o número de leitores. Ler é um exercício e precisa ser aprendido. Essa força para “emburrecimento” social aliada a falta de projetos públicos para o estímulo à leitura, reflete em um cenário que limita o potencial brasileiro para leitura. Quantos leitores existem no país? Nossa média é de dois livros por ano. Isso é muito pouco! Sem falar que dentro dessa conta temos que incluir as leituras obrigatórias muitas vezes técnicas, além de um mar de grandes autores acumulados no nosso processo histórico. Essa atenção é muito disputada. Consequentemente não conseguimos contemplar de forma mais ampla os novos escritores e acaba por não espelharmos a beleza da diversidade literária brasileira, entre inúmeros outros efeitos colaterais.
O gosto pela leitura exige de um tratamento para que se torne um hábito. Ninguém nasce amando ler, isso está associado ao método de estímulo. É cultural.
Em contrapartida temos um processo de avanço tecnológico que merece muita reflexão e pode ser um potencial aliado para solucionar diversos gargalos, como a distribuição do conteúdo, a diminuição dos custos, acesso e até mesmo criação de novas experiências literárias por meio da tecnologia. Alguns escritores defendem uma visão mais conservadora, sobretudo, no sentido da plataforma livro. Particularmente não me apego à plataforma, evidente que eu acho maravilhoso ver o meu trabalho disponível em impresso, porque é o que aprendemos a sonhar quando decidimos escrever, porém acredito que o exercício da escrita e a experiência da história não serão tão comprometidos se colocados em outras formas de distribuição e interação. Penso que o importante é a conexão “mágica” entre o autor e o leitor. Quero dizer que defendo a ampliação de pesquisa e uso de novas formas de distribuição do conteúdo utilizando os inventos tecnológicos, existem vários, mas acho que ainda é pouco; quem sabe novas iniciativas não possam contribuir mais incisivamente para aumentarmos o acesso ao conteúdo literário?!
Como é a sua história com Cuiabá?
Nossa! É uma história longa, cheia de aventuras, muito calor, manga, caju, música, literatura, Jardim Primavera, Miguel Sutil, Coxipó, volta pela Beira-Rio (os pescadores vendendo peixe), acaba na Avenida do CPA porque cortou por dentro…rs…poxa, essa pergunta merece um livro, impossível resumir aqui. Porém, eu sou muito grato por ter vivido em Cuiabá, tive a oportunidade de conhecer e viver com pessoas geniais. Quando fui para Cuiabá tinha 13 anos, com 27 anos eu sai da minha querida terra Mato Grosso. Sinto uma saudade imensa.
No processo da minha formação em comunicação social, participei com diversas outras pessoas de um movimento de produção cultural que resultou em muita coisa importante anos depois. Foi uma fase muito louca de uma juventude criativa que queria fazer algo por Cuiabá e no meu ponto de vista fez. Tínhamos muita pólvora para explodir e realmente explodimos. Começou com uma iniciativa a favor da música autoral e tomou uma proporção nacional. Eu participei mais incisivamente no começo. Pessoalmente inicia essa reflexão em 1999 quando começamos a pensar sobre a importância de se organizar. No ano seguinte, inicio uma caminhada para compreender pontos mais técnicos como elaboração de projetos culturais e, em 2001, promovo em parceria com diversas outras pessoas o primeiro Festival Calango. A pretensão era ingênua, conforme foram acumulando experiências e novas pessoas as coisas foram tomando outros rumos. Eu atuei nesse contexto até 2003 que foi a realização do segundo Festival Calango. Já no ano de 2004 foi bem complicado, problemas de saúde me tiraram o foco, me perdi nas ideias e acabei me afastando definitivamente. O movimento virou rede regional, depois rede nacional e hoje temos várias pessoas daquele período em plena atividade no diálogo nacional.
Honestamente acredito que aquele momento merece ter um registro mais refinado, talvez um documentário, um livro, ou os dois, porque confio realmente na importância do que foi feito por essa juventude da época. Eu fui embora de Cuiabá no dia 02 de dezembro de 2004 em uma viagem de avião bastante tensa e triste, mas fica na memória esse movimento que abarcou muita gente, muita coisa, Festival Calango, Metrô, Espaço Cubo, bandas e mais bandas, Grito Rock, eventos na UFMT, Ateliê do Pádua, espaços independentes e tudo mais que orbitou aquela explosão. Muito orgulho de ter vivido, composto, atuado, criado, bebido esse tempo bom que não volta mais.
Próximo trabalho?
Meu objetivo é lançar, se possível, um trabalho a cada dois anos. Quero tentar manter uma regularidade no meu processo literário, evidente que a vida é uma coisa imprevisível, mas minha proposta pessoal é essa.
Tenho em mente meu novo trabalho, ainda em fase bem inicial, porém quero me esforçar na divulgação desse novo trabalho e em 2021 começo o próximo.
Queria ressaltar que além do meu processo como escritor, articulo diversas ações culturais como produtor e faço parte de um coletivo chamado Poranduba, que formamos no ano de 2005, assim que retornei para Mogi das Cruzes (SP). É possível ter acesso alguns conteúdos no www.poranduba.com.br e dentro das atividades do coletivo organizamos um festival que está na sua 12º edição ( www.dezindie.com.br).
Para fechar ainda reservo uma força para cursar a faculdade de tecnologia, pretendo criar alguns experimentos com arte e programação, mas são projetos ainda em fase mental.