Por Fábio Guimarães*

Não existe nada mais desagradável que noticiar a morte de alguém – principalmente quando o relato deve ser aos parentes.
Algumas pessoas carregam o desejo mórbido de exercer essa função.
E o fazem de modo variado. Há os que dizem de inopino: “Bom dia! Tenho uma notícia ruim: o teu pai acaba de falecer!”. Sem nenhuma preliminar. Tipo: “Olha, ocorrera um fato desagradável. Venho do hospital e soube que o seu pai está muito mal. Na verdade, ele se foi. Está descansando agora!”. “Descansando”? Nunca entendi esse ‘livrar-se da fadiga’ ao falecer! Outros, ao contrário, fazem um histórico da vida do defunto, antes de declarar sua morte. É um rodeio sem fim. “Sua mãe foi uma pessoa de uma bondade sem fim. Uma mulher fantástica! Se ela morrer, não fique triste: cumpriu um grande e amável destino enquanto viva”. E o pré-órfão ouvindo aquele lengalenga sem entender bulhufas… Ao final da longa e tediosa palração, diz sobre a morte do ente querido. E ainda diz: “Você acaba de perder sua mãe!”.
Quando minha mãe há pouco tempo falecida, ouvi muito essa frase: “Fábio, sei que perdera sua mãe; mas saiba que ela agora está ao lado do Altíssimo!”. Ocorre que eu não a perdera. (assim fosse procuraria até encontrá-la- mas sei que é uma figura de linguagem. E entendo).
Mas, voltando ao caso mórbido daqueles que veneram um velório.
Tenho um amigo assim. No jornal ele lê inicialmente o “obituário”.
“Olha, Fábio, esse morreu de acidente. Novo! 41 anos!” – vamos lá?
“Mas fulano, você nem sabe quem é o falecido!” – disse tentando dissuadi-lo da empreitada tresloucada!
“Não importa. É uma ação caridosa!” – retrucou-me.
Como caridosa? Nem sabíamos a procedência do morto ou de sua família.
“Se você não mudar esse seu jeito, quando tiver de ser velado não vai aparecer ninguém” – disse, tentando criar um clima desagradável para o meu velório…
“Mas eu estarei morto, Fulano. Daí se haverá plateia para observar meu ‘nada’, pouco importa” – disse.
“Bem, vai ou não me acompanhar?” – deu-me um ultimato.
Como não havia nada para fazer àquele momento, decidi fazer o gosto de meu amigo.
E nos dirigimos ao tal velório do anônimo defunto.
No local existiam duas Capelas onde estavam sendo velados dois mortos.
“E agora, qual é o morto que você quer velar?” – disse-lhe aborrecido.
“É essa primeira Capela” – afirmou convicto.
Aproximamos do ataúde ornado em prata. Madeira de ótima qualidade. Disse ao meu amigo: “Esse defunto é rico. Veja que esplendor de caixão!”.
“Fique quieto. Na verdade é pessoa de posses!” – disse meio exultante meu amigo francamente sofrendo de necrolatria!
Depois, com a voz embargada – artificiosamente – disse a um dos parentes que velavam o defunto: “Tão novo, meu Deus! E morrer nesse fatídico acidente automobilístico. Esse trânsito infernal!” – comentou meu amigo.
“Senhor – disse o parente de quem era velado – o Joaquim morreu de infarto. A pessoa acidentada está na Capela dois”. – com certa reprovação.
“De todo modo, nos deixou tão cedo” – quis remendar.
“Esse é o terceiro infarto. E ele possui 87 anos, Senhor. Já era esperado!” – finalizou a conversa o parente do morto.
“Fábio, estamos velando o morto errado!” – sussurrou-me com certo constrangimento meu amigo aficionado por velórios…
Ao chegarmos frente o morto certo, meu amigo não aguentou e disse: “Nossa! Quanta diferença! Aquele primeiro tinha um belo caixão! Esse é bem inferior! Não achas?” – disse.
Olhei para o meu amigo e pensei em um bom psiquiatra…


*Fábio Guimarães é poeta, escritor, professor e defensor público de Mato Grosso.

Comentário

  1. muito divertido! essa frase aqui, você me perdoa mas eu rachei o bico de tanto rir(tu sabes que amo tanto tia Eva)
    “Fábio, sei que perdera sua mãe; mas saiba que ela agora está ao lado do Altíssimo!”. Ocorre que eu não a perdera. (assim fosse procuraria até encontrá-la- mas sei que é uma figura de linguagem. E entendo)”. adorei encontrar esse grande poeta/escritor aqui no site, uma bela “aquisição”, parabéns!

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