odairAuto apresentação impressa na orelha do livro:

Nome: Odair de Morais.

Cuiabano, nasceu em 1982.

Pai: garimpeiro.

Mãe: doméstica.

É professor.

Escreve nos intervalos.

Economiza até nas palavras.                                                        

Conheci Odair de Morais na banca de livros do Antônio Sodré que ficava no antigo Instituto de Linguagens da Universidade Federal de Mato Grosso, creio que há mais de dez anos. Ali era ponto de encontro de muita gente bacana, ligada em literatura, música e artes em geral. Na época foi-me apresentado como poeta e fiquei impressionado com a qualidade de seus textos, curtos, secos, poéticos, gostava de praticar o hai-kai.

Agora em 2016 recebo-o para um papo que gira em torno de seu primeiro livro de contos. Contos curtíssimos, tweet story (como ele assinala), em 140 caracteres, o título já entrega: Contos Comprimidos.

É remédio para o leitor contemporâneo, para a pressa que impregna nosso cotidiano alucinante. “Sempre gostei de textos curtos, minimalistas, hai-kais, contos. Gosto de Dalton Trevisan que escreve histórias cada vez mais curtas, o Marcelino Freire com a Antologia dos Menores Contos. Nos Contos Comprimidos eu pensei no Twitter, naquela estrutura de 140 caracteres, fiz o primeiro, postei e as histórias foram surgindo.”

comprimidosNo início do livro ele já dá a pista:

Prólogo

“Os contos a seguir têm rosto. Nome, idade,

profissão. Conto o que vi ou ouvi ficcionalmente.

Contos precisam de protagonista. E de leitor.”

E como o leitor precisa de escritores como o Odair. Ele consegue produzir uma literatura de altíssimo nível. É, com certeza, das gratas revelações da literatura mato-grossense. Com muita habilidade ele literalmente comprime situações cotidianas como um golpe na consciência dos desavisados. Provoca no leitor uma ampliação dos significados comprimidos em cada um dos cem contos que narram o dia a dia do trabalhador, dos desempregados, suicidas, drogados, traficantes, sonhadores e toda uma amplidão de personagens que transitam pela urbe. Irônico muitas vezes, lúcido, consciente da tragédia social que fustiga diariamente a vida do povo brasileiro.

Conto comprimido nº 6

“Mário tem quatro filhos, um emprego na cerâmica

e muitas dívidas. Às vezes pensa em se jogar, mas

não é nada fácil se aproximar da fornalha.”

Um olho na vida, outrolho nos meandros e detalhes que constroem cenas de um cotidiano banalizado, de pessoas que já nascem fadadas a um crônico fracasso. Mas há esperança, apesar do implacável sistema de coisas que oprime e massacra o homem comum. Odair nutre-se da vida como ela é: “Meu texto sempre girou em torno da questão social. Optei por colocar a questão dos trabalhadores, o sofrimento do dia a dia, mas não de uma forma engajada ou panfletária que considero muito maçante.”

Existem brechas e é aí que devemos intervir. Cada tweet story desse cara é um tapa na cara estampada como uma breve nota de jornal, mas com uma maestria que eleva à literatura. Narrativa certeira. São histórias condensadas e você não vai encontrar nas livrarias (eu diria, por enquanto) nem nas prateleiras dos supermercados. Quem sabe nas asas de um suicida ou de um mini-cabeça de lua viajante lunático com o pai moto-taxista. Como no conto comprimido nº 100:

“A criança de desequilibra ao peso do capacete.

Anoitece. Roberto, o moto-taxista, é um astronauta

e caminha com o filho na superfície lunar.”

Pura imagem, como uma sequência cinematográfica ele conduz para um passeio pelas sensações mais poéticas, surpreendente como farol cortando luminosas fatias da noite enluarada.

Odair publicou há mais ou menos dez anos atrás um livrinho de hai-kais, “Com a Corda no pescoço” e desde então vem produzindo sem parar e vê com entusiasmo o momento atual da literatura em Mato Grosso com a publicação de muitos autores, como nunca visto antes por aqui. Cita vários da cena contemporânea e atemporal, Luiz Renato, Yvens Scaff, Wuldson Marcelo, Antonio Sodré, Ricardo Guilherme Dicke, as práticas do Caximir de espalhar poesias e textos pelos espaços urbanos, cita Juliano Moreno autor de zines poéticos como o Fagulha e da coletânea de contos junto com Mário Cézar, A margem esquerda do rio – contos de fim de século, enfim dá uma visão panorâmica e mostra que muito leu e lê os autores mato-grossenses.

sodre2
Antônio Sodré

Conversa boa de escritores, entre um cigarro e uma foto inesperada, e o quintal selvagem cúmplice do habitante solitário.

“Ao que parece as pessoas estão lendo mais, escrevendo mais. Com o acesso à internet, com o celular, a arte e a literatura estão mais acessíveis. Hoje o cara pode ouvir um som de uma banda de outro lugar, antes não dava, agora é tudo mais acessível e rápido” ele dispara a falar e assim vamos indo mais fundo no trabalho do Odair.

Ele retrata com entusiasmo também sobre o uso do texto poético em sala de aula, provocando saraus, encontros, recitais, provocando a curiosidade aguçada (quando provocada) dos estudantes que passam então a investigar, pesquisar, querer saber mais dos autores. Realizam leituras, recitais. Está projetando dois livros de hai-kais que já estão quase no ponto (um ourives esculpindo pequenas jóias?).

Odair de Morais, sua literatura já tem lugar entre meus favoritos.

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