*Por Anna Marimon

Parece que foi ontem, quando pisei em solo cuiabano pela primeira vez. A cidade que conheci na década de setenta tinha ares cosmopolita, e uma cara tropical de cartão postal, colorida e movimentada, com a Praça Alencastro coberta pela chuva de ouro em floração, e as palmeiras da Getúlio agitadas ao vento num corredor majestoso, ao longo das calçadas dos hotéis da época, agora extintos, que com sua arquitetura urbana traziam um ar de metrópole ao centro antigo.

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Foto: Pierre Marret

Por aquelas ruas passavam gente do mundo todo. Da Itália, Espanha, França, Inglaterra, Alemanha, Canada, América do norte, Líbano, Síria e Rússia. O que essa gente toda, rica e estudada vinha fazer por aqui?  Nunca me perguntei sobre isso. Negócios com terras, minérios, madeira? Não sei. Sei apenas que as noites eram tépidas, barulhentas, com pessoas passeando pelas ruas, a pé ou de automóvel, os bares lotados, e naquele local onde morava, no edifício Maria Joaquina, podia ver da janela do meu quarto todo o movimento das ruas.

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Nas madrugadas o som do Havaí lanches enchia o espaço e muito alto não me deixava dormir. Ficava a ouvir os últimos rumores da noite que anunciavam um novo dia. O sol da manhã em breve viria iluminar o horizonte revelando as formas do morro de Santo Antônio, onde nos finais de semana a cuiabania passava o dia ao sol das praias paradisíacas do rio Cuiabá. Naquele tempo Cuiabá amava o seu rio.

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Foto: Pierre Marret

Hoje não temos mais essa relação de amor com o rio. O rio está feio, sujo, esquecido. De suas praias não usufruímos mais. A avenida Getúlio não exibe mais sua face de cartão postal, de palmeiras imperiais e alamedas de flamboyant floridos entrelaçando as copas sobre os carros em trânsito. Assim como as palmeiras, os últimos pés de flamboyant agonizam. Os hotéis fecharam as portas e hoje são prédios fantasmas suspirando saudades. Lanço o olhar sobre a cidade com certo desencanto, e ainda assim vejo traços da Cuiabá de outrora, num jardim, numa palmeira, na estatuaria das quatro estações da Praça da República.

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Foto: Acervo Carlos Rosa

A cidade ganhou shoppings centers, ganhou prédios, avenidas, condomínios, novas tribos, novos ricos, novas escolas, novas ruas, novos bairros, mas perdeu muito, num processo irreversível de desenvolvimento e despersonalização. Que cara tem agora? Não sei. Perdeu tanto de si que pouco resta daquela capital com ares cenográficos. Nem o calor é o mesmo, pois agora, as temperaturas vem acrescidas pelo calor global. Aqui e ali sinto a falta de um cajueiro, uma mangueira, uma beira refrescante de rio numa tarde de agosto.

 

2 Comentários

  1. Linda crônica! Me deu vontade de vivenciar este tempo que não me pertence na memória, apenas como saudade de algo que não vivi, mas que sonho em fotos, desenhos, pinturas, e textos, como este.. que nos despertam a ancestralidade poética de quem ama sua terra! Obrigada por partilhar memórias tão carinhosas de uma Cuiabá que precisa voltar a ser reconhecida!

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