Este ano será bastante curto. Já estamos na metade do mês de março; em junho começa a Copa do Mundo, com ou sem Neymar, e em outubro temos eleição, com ou sem Lula. Portanto já estou fazendo planos para 2019, pois este não dará para fazer muito, além da tentativa de se manter vivo. E isso depende de muita coisa, manter o emprego, por exemplo; depende principalmente da providência divina.
Entre os livros que gostaria de ler nos próximos dias encontram-se A Pedra do Reino, de Ariano Suassuna, vontade inexprimível após visitas ao local no município de São José do Belmonte, em Pernambuco, bem como A Cobrança, de Mário Rodrigues, em que a pátria de chuteiras, no dizer de Nelson Rodrigues (não é parente do Mário), é revisitada de maneira emblemática, como se faz crer pelas resenhas publicadas sobre a obra.
Enquanto não tenho nem um, nem outro, dou-me por satisfeito com a leitura de O tímido e as mulheres, de Pepetela, que li nos últimos dias e recomendo para todos aqueles que gostam de romances que vão se revelando vagarosamente aos olhos do leitor, sem aqueles golpes bruscos em que narradores violentam nossa imaginação de maneira insólita, ou até mesmo hiper-realista. Não faço desta crônica espaço ensaístico para este momento, nem tenho a pretensão de resenhar a obra. Destaco apenas onze passagens do livro que, a exemplo de um onze contra onze, ocupam o campo (semântico) para o desenvolvimento da partida (escrita) cujo resultado nem sempre é (im) previsível.
- Um livro é tanto do leitor quanto do escritor, pois o leitor reescreve-o constantemente. Antes de o acabar, já procurava respostas para as perguntas de futuros entrevistadores e improváveis admiradores (p. 12)
- A dor lhe dava para memórias de gregos, talvez por ser uma tragédia se abatendo sobre sua cabeça, talvez por se chamar Heitor, o assassinado em Troia pelo brutamontes Aquiles, talvez por ser terra muito falada agora, apanhada pela crise dos ricos, paga pelos pobres (p. 34).
- Depois de se pôr o asfalto, haveria de ser necessário retirar uma parte dele para fazer a ligação de um cano de esgoto (p. 98).
- (…) milagres existem mas em períodos de tempo limitados, o próprio Jesus Cristo não fez milagres toda a vida, não sou burro, sei, anda demasiada gente nesse business e por isso qualquer dia podemos ficar com casas compradas mais caras que o valor a que se pode vender, esta bolha está a inchar e vai rebentar como tem acontecido pelo mundo fora (p. 104).
- Os autores são sempre os primeiros a desdenharem do seu trabalho, diria o Antunes, armado em filósofo barato (p. 145).
- Qual é o diretor que num momento como esse arranja briga com um subordinado que poderá em breve lhe substituir? Todos procuram ficar de bem com todos, que se lixe o trabalho, o serviço público, a treta do costume (p. 174).
- (…) as pessoas têm tendência a confundir o narrador com o autor… (p. 187).
- Compreendo o que quer dizer. Sobre as fronteiras entre novela e romance. Difíceis de traçar. Será importante? (p. 190).
- – Podia escrever romances históricos – disse Orquídea, para afastar a ironia adivinhada em Rosa (p. 190).
- Suponho, um escritor deve conhecer muito da vida, por isso tem de viver intensamente. Mas Heitor se fecha na sua concha, sonha, imagina coisas, eu sei porque ele já me contou várias vezes, imagina que é isto ou aquilo, imagina que vai numa viagem e descobre coisas que lhe acontecem, mas afinal é o que leu em livros ou viu em filmes… É assim que depois compõe as personagens, são versões do que ele imagina pode vir a ser. Deve corresponder ao método dos escritores, não sei… (p. 203).
- Esperou um pouco, a ver se ela pegava na sua alusão ao ethos universal. Ela não lhe ligou importância. Ou então nem percebeu a palavra. Seria possível? Era reconhecida a carência de cultura clássica dos universitários recentes, mais virados para conhecimentos superficiais (p. 210).
Comprei esse livro em uma dessas feiras que acontecem nos shoppings centers da cidade. Ao contrário do que imaginava anteriormente pode-se achar bons títulos a preços módicos nos tais estabelecimentos transitórios. Tenho comprado a dez ou quinze reais obras de Virgínia Wolf, Pirandelo, Silvia Plath, Fernando Pessoa, por exemplo, ótimos presentes a preços ínfimos (para quem aprecia livros, obviamente). A propósito, este em livrarias está custando entre R$ 41,90 e R$ 49,90. Vale a pena conferir. Paguei somente R$ 15,00.
REFERÊNCIA
PEPETELA. O Tímido e as mulheres. São Paulo: Leya, 2014. 304 páginas.