Por Edmilson Borret*
Uma vida em preto e branco talvez seja preferível no fim das contas. Em preto e branco não se vê o amarelado do tempo (e do cigarro) sobre as coisas, os móveis. Essa transitoriedade, essa fugacidade das coisas, de tudo, são tão mais chocantes quando nos damos conta de que as maquiamos.
Hoje recebi a visita de um grande amigo. Ligou cedo, avisando que viria à tarde. Eu não limpava a casa há semanas. Corri para varrer a casa, passar pano com Veja no chão. Só então reparei na geladeira… que deveria ser branca. Meses enfurnado em casa, só observando a vida. E a geladeira amarelando. Veja resolveu. E se resolveu na geladeira, também resolveria nos quadros (muitos), nas miniaturas de carros na estante, nos bibelôs sobre a mesa de centro. O amigo chegou por volta das quinze horas. Tudo limpinho, maquiado.
Tomamos chá gelado com bolo, pães e queijo. E conversamos sobre a vida, sobre pessoas queridas (e também não queridas), sobre projetos e sobre um monte de outras coisas, como costumam conversar os amigos quando não se veem faz tempo. Tempo. Quando vimos já tinha passado, e era tempo de ele ir a outro compromisso. E lá passaria outro tempo. Fiquei aqui observando a geladeira branquinha como era antes.
Que susto as geladeiras e seus amarelados podem nos dar!
Como os aviões que cruzam o céu.
Denunciam o tempo escoando. Ou eu passo a fumar menos, ou eu decido a não ser mais mero observador, espectador da minha vida. E isso é pessoal e grandioso. Películas em preto e branco não são a vida. Quando eu não tiver mais Veja, como será?
(Edmilson Borret)