Gilda Balbino
Nosso tempo vive grandes debates sobre a questão urbana, mas é preciso escancarar os cenários de pobreza nos quais vivem a maioria da população cuiabana da área urbana e rural. Contrasta com a imagem de belos e frios prédios; shoppings centers; projetos fantásticos como o rodoanel, repaginado, com pistas duplas, viadutos, iluminação; pontes como a Sérgio Motta e outra em construção e outras já projetadas; dois viadutos só nesses últimos anos, vendidos pelas administrações como paradigmas de caminhos para transformar Cuiabá numa metrópole.
Monumentos frios e planejados que se contrapõem à urbanização da pobreza da zona rural e dos bairros periféricos com valores abusivos de aluguéis, hiper concorrência em nichos de empregos informais e precarizados. Precisamos colocar na agenda política de Cuiabá, através de uma Câmara de vereadores, silenciosa e omissa, temas como habitação, emprego, educação profissional, cultura, saúde, transporte coletivo. Temas esses decisivos para a cidade que queremos, já que teremos que aprender a viver com essa pandemia e é vital que soluções emerjam desse amplo debate.
Com aprovação no início dos anos 2000 das leis de reforma urbana, como o Estatuto da Cidade, criação do Ministério das Cidades, o Sistema Nacional de Interesse Social, com Fundos e Conselhos, indicava uma mudança nesse setor. Ledo engano. Os interesses das grandes imobiliárias e dos políticos passam por cima de qualquer interesse da população, citando como exemplo a ampliação do perímetro urbano na estrada da Guia, dentre outros.
Agora estamos às voltas com as áreas que circundam a RODOANEL. Como não sabemos, certamente serão as empreiteiras, o mercado, os interesses políticos, que decidirão para onde a cidade irá crescer. A continuar o cenário atual, se processará um novo ciclo de crescimento desigual, insustentável, social e ambientalmente devastador.
É preciso retomar uma política de taxação progressiva e de aluguel subsidiado para ocupação de estoque de imóveis vazios, estimulando o adensamento e ordenamento de áreas providas de infraestrutura, ao invés do espraiamento da ocupação urbana, com a ampliação da participação popular, com fortalecimento das cooperativas de movimentos populares na solução dos problemas e definição dos projetos que respeitem o meio ambiente.
A combinação de projetos urbanísticos de qualidade, discutido com moradores, com profissionais capacitados e conhecedores da nossa realidade como José Lemos, Adriana Bussik, Ivã Guimarães, Carolina Fagundes, dentre tantos outros profissionais altamente qualificados, inserindo nesses projetos equipamentos de saúde, educação profissional, lazer, esportes, conectividade tecnológica, infraestrutura de água, esgoto, energia, drenagem urbana, reassentamento de moradores de áreas de risco, em novos prédios fora da área de risco, sem contudo, com remoção forçada para longe. A segurança pública terá que se pautar em politicas que respeitem a comunidade, como sujeito político na solução dos problemas. A comunidade sendo protagonista de todo o processo.
BRT x VLT? Quem discutiu esses assuntos com a sociedade como um todo de forma clara e objetiva? Quais os benefícios de cada modal para seus usuários? Quais os prejuízos que temos até agora e quais os que teremos com a implantação de cada um? Nós pagaremos essa conta. Queremos objetividade e clareza nessas definições.
A cidade é a nossa grande moradia, com relações culturais, com idas e vindas sem transcender os limites do cotidiano, sem ser tutelado pelos cálculos e lucros. Não podemos esquecer que a cidade não é um desenho homogêneo dominado pelas ambições dos projetos imobiliários. Ela tem memória, é múltipla, tem símbolos e tradições.
A ocupação da cidade tem que animar suas solidariedades não se distanciando das suas lutas, trazendo uma cidadania para além dos impostos e das eleições.
Gilda Balbino é advogada e assessora parlamentar, especialista em gerência de cidades pela FAAP.