Quando se constrói uma casa, deve-se, obrigatoriamente começar pelo alicerce, aquilo que a fará suportar as intempéries, pereniza a construção, fincando raízes em terra firme. Quando se constrói um leitor, pode-se optar por diversas iniciativas, mas creio que todas passam por uma questão qualitativa junto ao hábito da leitura. Mais do que o quanto ler, o importante é o que ler.

Estou convencido de que a crônica é o tipo de texto mais indicado para formação de leitor. Talvez pela oportunidade de tornar prosaicas as relações de estilo, dando tratamento distinto às informações, sem abrir mão do senso estético. Tenho este olhar já há alguns anos, desde que mergulhei em Walter Benjamin, águas caudalosas e frias, mas reconfortantes, apesar do volume, temperatura e da correnteza. Ainda assim, precisamos pensar nas paredes que sustentarão o construto.

Acompanho desde 2008 o gênero, desde a disciplina ministrada pelo professor Antonio Manoel dos Santos Silva, durante o doutoramento na Universidade Julio de Mesquita Filho (UNESP), em São José do Rio Preto-SP. Os trabalhos produzidos no semestre tornaram-se capítulos de livro, publicação na qual traço alguns aspectos distintivos em Ana Miranda e sua relação com a revista “Caros Amigos”.  A disciplina era Prosa Brasileira e a compilação foi publicada pela Editora Arte & Ciência, de São Paulo, em 2010, sob o título de “Cronistas Brasileiros Contemporâneos”.

Publico crônicas regularmente no site www.cidadaocultura.com.br há três anos e meio, aproximadamente, totalizando 122 textos até o momento em que redijo estas palavras. Selecionei um conjunto de 46, quase todas publicadas nesse portal, até o final de 2018, e as agrupei em forma de livro que lanço agora em 28 de setembro pela Editora Patuá, de São Paulo. E continuo a ler o gênero, saboreando a afetividade que percebo incorporada nos textos. Ainda assim devo lembrar que me falta falar sobre o telhado. Acabo de ler o livro “Labirinto da palavra”, de Claudia Lage, que reúne 41 textos divididos em três partes.

Gosto da maneira como a autora os divide; na primeira parte os que abordam a temática “Sobre a Escrita, processos criativos, enredo, personagens, mundos da narrativa, heranças e desterros estéticos, angústias da primeira e última páginas, mergulhos e afogamentos literários” (LAGE, 2013, p. 7). A segunda conta com os que enovelam aspectos “Sobre Leitura, estantes e livros, bibliotecas perdidas no tempo, resgatadas nas guerras, abandonadas nas cidades, a literatura e o seu ensino, a ficção e a infância, as primeiras vertigens, os primeiros encantos” (idem, p. 77). E por fim, na cumeeira, “Sobre Escritores, influências e voz narrativa, trajetórias e desejos literários, vida e obra que se fundem, o meio, o início e o fim da escrita, as palavras ditas e não ditas, a entrega e o que não se pode entregar, as lacunas, os silêncios, os segredos trazidos à tona cuidadosamente para não se partirem. O que se parte, o que se deixa no papel e o que se deixa para trás” (idem, p. 113).

São muitas as passagens emblemáticas dos autores citados, mas seria uma árdua tarefa escolher uma ou outra para destaque. Prefiro ficar com algumas observações de Claudia, a fim de ilustrar meus comentários acerca de sua produção. Não é demais lembrar que a autora é também uma virtuose em roteiros para programas de televisão, ambiente em que a cotidianização é parte intrínseca da produção textual.  Na visão de Cláudia Lage,

Escritores, mesmo os de aparência mais inofensiva, são perigosos. Quando estão em processo criativo – e há aqueles que estão eternamente – não se pode contar com eles para nada. Estão sempre ocupados, escrevendo. Ou pensando sobre o que escreveram ou vão escrever (LAGE, 2013, p. 15).

Pelos princípios básicos da Escrita Criativa, sabemos que “A reescrita nada mais é do que o desenrolar da costura que permite costurar de novo. Permite ao escritor um recomeço, eternamente, como a Penélope de Ulisses” (idem, p.28). Depoimentos de autores são recorrentes, no sentido do trabalho de reescritura de seus textos. Cada qual com seu método, mas sempre a burilar com o intuito de deixar apenas o necessário, o significativo, o essencial.

“Labirinto da Palavra” é uma coletânea de crônicas publicadas no jornal “Rascunho”, de Curitiba, que insiste em produzir crítica literária de qualidade em um momento em que as resenhas descartáveis ocupam espaços na rede mundial de computadores, muitas vezes nivelando por baixo os comentários rápidos e superficiais acerca de autores e obras. O mercado agradece e pasteuriza as escolhas.

Parece que uma crítica impressionista volta a nos cercar em pleno século XXI, depois de todo o XX a tentar espantá-la para longe dos domínios do saber acadêmico. Em texto de orelha da publicação, a professora universitária, curadora de eventos literários e escritora Guiomar de Grammont chama a atenção para o que me parece fundamental na obra:

A leitura é fluente, seguimos com prazer sua investigação do enigma da palavra, em busca do coração da linguagem. Este é um livro sobre a voragem da literatura, as demandas do fazer literário, cujas exigências entrelaçam a criação e o conhecimento, espiral em que o leitor e autor se encontram e, muitas vezes, são um único ser. Na vertigem do tempo, partilham “heranças e desterros estéticos, mergulhos e afogamentos literários”. É um libelo de amor aos livros e às bibliotecas, morada onde habitam as inúmeras vozes que Claudia nos faz escutar neste livro” (GRAMMONT, 2013).

Claudia Lage consta da antologia 25 mulheres que estão fazendo a literatura brasileira, organizada por Luiz Ruffato, em 2004, e publicada pela editora Record. Seu nome, à época, circulava junto aos de Clara Averbuck, Simone Campos, Luci Collin, Lívia Garcia-Roza, Guiomar de Grammont, Ivana Arruda Leite, Tatiana Salem Levy, Adriana Lisboa, Adriana Lunardi, Ana Paula Maia, Tércia Montenegro, Cintia Moscovich, Heloísa Seixas, Claudia Tajes, Paloma Vidal e Letícia Wierchovski, dentre outras. Luiz Ruffato enxergava um pouco além da última curva.

REFERÊNCIA

LAGE, Claudia. Labirinto da Palavra. Rio de Janeiro: Record, 2013.

 

 

 

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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

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