A História nos ensina que ninguém chega ao poder sem uma estratégia eficiente de propaganda. Para promover a própria imagem, exaltam-se as virtudes – reais ou imaginárias – daquele que governa, bem como uma divulgação positivista de sua figura.

O Antigo Egito, o Império Romano, a China Imperial, os incas e astecas… todos cultuavam seus monarcas como deuses-reis; eram os primórdios do Culto da Personalidade e os regimes totalitários seguintes também conseguiram manuseá-lo muito bem. Inclusive aquele que é considerado o regime mais bárbaro e reacionário da História Moderna, o Nazismo.

Adolf Hitler foi um dos ditadores que se destacou por aproveitar dessa estratégia com uma maestria amedrontadora, mas não sem a ajuda do olhar de uma figura primordial. A cineasta, fotógrafa, dançarina e atriz, Leni Riefenstahl.

A berlinense dedicou a maior parte de sua carreira promovendo a imagem positiva de uma Alemanha nazista por meio de audiovisuais que ultrapassaram as fronteiras do país. É ainda considerada por muitos como uma pioneira na propaganda, com técnicas inovadoras de ângulos, enquadramentos, movimentos de massas e nus.

Riefenstahl em 1933 para o filme SOS Eisberg, dirigido por Arnold Fanck e Tay Garnett
Riefenstahl em 1933 para o filme SOS Eisberg, dirigido por Arnold Fanck e Tay Garnett

De artista a terceiro olho de Hitler

Nascida em 22 de agosto de 1902, em uma família abastada, Helene Bertha Amalie Riefenstahl iniciou a vida profissional como dançarina, mas se viu obrigada a parar depois de uma lesão no joelho. Um dia, ainda jovem, ela resolveu ir ao cinema e se encantou com as possibilidades dessa arte. Conheceu o diretor e alpinista Arnold Fanck e passou a atuar em filmes que levavam a temática das montanhas, gênero criado por Fanck que se popularizou na Alemanha da época por resgatar o Romantismo.

Foi em 1932 que ela dirigiu e escreveu seu primeiro longa de ficção, A Luz Azul (Das blaue Licht), que também se localizava nas montanhas e recebeu grande aprovação do público. A história é de uma mulher considerada bruxa pelos moradores de uma vila, já que ela era a única capaz de escalar o topo de uma montanha onde uma luz azul, vinda de um cristal, brilhava durante a lua cheia. Por conta dos elementos místicos e religiosos, o filme teve grande reconhecimento no Vaticano.

Imagem do filme A Luz Azul (1932) / Youtube
Imagem do filme A Luz Azul (1932) / Youtube

A Alemanha passava por um período de crise econômica que afetava também as camadas pequeno-burguesas, incluindo-se a família de Riefenstahl. Assim, a alternativa de se associar à política era bastante sedutora e foi o caso da cineasta. Mas rumores afirmam que foi Hitler quem procurou por ela primeiro, depois de se impressionar com suas técnicas cinematográficas. Mesmo assim, do terreno da ficção, ela passaria a produzir documentários em formato de propaganda, tornando-se os olhos de apoio do líder alemão até o final.

Hitler e Riefenstahl
Hitler e Riefenstahl

O Triunfo da Vontade e os Jogos Olímpicos

Entre os seus trabalhos políticos mais conhecidos e controversos está O Triunfo da Vontade (Triumph des Willens, 1935), dirigido, escrito e produzido por ela. O filme retrata o 6º Congresso do Partido Nazista de 1934 na cidade de Nuremberg que contou com a presença de mais de 30 mil pessoas.

Os primeiros cinco minutos da obra iniciam-se com um fade in, e a imagem de um avião que voa tranquilamente pelas nuvens. A trilha sonora, os movimentos de câmera, tudo é pensado para transmitir calma e serenidade. Mas, de repente, a estabilidade se quebra e Nuremberg aparece entre as nuvens, onde milhares de cabeças olham para o céu. O avião pousa, a trilha torna-se enérgica, a porta se abre e Hitler aparece, sorridente, enquanto a multidão quebra o silêncio em gritos ovacionais.

Imagem do filme Triunfo da Vontade (1935)

Ao longo do filme, com 1h43 min de duração, a câmera passeia por eventos, comícios, passeatas, crianças e adolescentes sorridentes com brilho nos olhos (representando a chamada Juventude de Hitler), uniformes, suásticas, aclamações incessantes; isso sem nenhum comentário falado, apenas com trechos de discursos de Hitler e outros líderes nazistas, demonstrando o extremo poder que a imagem tem para influenciar e penetrar nos pensamentos. Riefenstahl tinha 30 câmeras em sua posse para a realização do filme.

Riefenstahl e equipe em frente ao carro de Hitler durante o comício de 1934 em Nuremberg.
Riefenstahl e equipe em frente ao carro de Hitler durante o comício de 1934 em Nuremberg.

A cineasta ganharia reconhecimento internacional pela obra. Durante a estreia do filme, Hitler a presentearia com um buquê de flores lilás e a chamaria de “A mulher alemã perfeita”. Hoje em dia, o museu Dokumentationszentrum Reichsparteitagsgelände (em português, Centro de documentação do complexo do Congresso do Partido Nacionalista), em Nuremberg, expõe trechos do filme sem, no entanto, nenhum comentário sobre a diretora.

Riefenstahl ao lado do comandante militar nazista Heinrich Himmler, enquanto instrui sua equipe em Nuremberg, 1934
Riefenstahl ao lado do comandante militar nazista Heinrich Himmler, enquanto instrui sua equipe em Nuremberg, 1934

Já as Olimpíadas de 1936 em Berlim mostraram-se a oportunidade perfeita para disseminar ainda mais a ideologia nazista. Apesar de se qualificar para representar a Alemanha no rali de esqui, Riefenstahl, já consolidada e famosa após o sucesso de Triunfo da Vontade, optou por filmar os jogos. E havia uma grande semelhança entre os dois eventos: assim como o Congresso de Nuremberg, as Olimpíadas também foram organizadas no formato de um grande festival encenado.

Hans Heinrich Sievert, por Riefenstahl
Hans Heinrich Sievert, por Riefenstahl

Hitler providenciou tudo o que Riefenstahl precisava para sua produção. A controversa diretora conseguiu imortalizar o acontecimento em dois filmes, “Olympia Parte I: Festival das Nações” e “Parte II: Festival de Beleza”, ambas lançadas em 1938, que representaram uma enorme conquista cinematográfica, tanto estética quanto técnica, com imagens perfeitas de corpos de atletas e da plateia, conseguida com uma lente Leica de 600mm.

Atletas performando durante os Jogos Olímpicos de Berlim. Imagem do filme Olympia
Atletas performando durante os Jogos Olímpicos de Berlim. Imagem do filme Olympia

Mas as obras também demonstram o período mais sinistro e vergonhoso da história alemã. A abertura de Olympia deixa isso claro. Um prólogo artificial remete às glórias da Grécia Antiga, fazendo comparações aos próprios esforços de Hitler para atribuir ao partido uma longa tradição histórica, como que baseada em um passado mítico. Pura e simples propaganda.

“A realidade não me interessa”

Com a ruína do Nazismo, a mulher alemã perfeita de Hitler afundaria junto. Leni Riefenstahl morreria 58 anos depois do fim da II Guerra Mundial, aos 101 anos de idade. Em entrevistas, negou conhecer a realidade dos campos de concentração, se disse não-politizada e declarou que só se juntou às forças reacionárias porque estava interessada em expandir e compartilhar a sua arte.

“A realidade não me interessa” foi uma de suas frases durante uma entrevista, concluindo que o que a impulsionava eram apenas os conceitos de “beleza e harmonia”. Será? Apesar de não ter sido condenada e não ter tido participação direta nos crimes bárbaros contra seres humanos, essa mulher “ingênua” provou por meio de seu trabalho que sabia muito bem o que estava fazendo.

Riefenstahl foi e será lembrada como o instrumento-chave para vender a grandiosa imagem de “beleza e harmonia” do regime mais tirano e sanguinário da história da modernidade.

REFERÊNCIAS

1. The shameful legacy of the Olympic Games (The Guardian, Alex von Tunzelmann)

2. Leni Riefenstahl – propagandist for the Third Reich (World Socialist Web Site)

3. Triumpf of the Will: Film Art or Nazi Propaganda? (Kara Petersen)

4. Leni Riefenstahl: Nazi Sympathizer or Artist? (Martin, Cassidy)

5. Wikipedia (EN) e Wikipédia (PT)

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Jornalista mato-grossense formada pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e aluna de mestrado no programa de Divulgação Científica e Cultural da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

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